A Desconstituição do Mercosul

A entrada da Venezuela no MERCOSUL, em decisão muito mais rápida do que aquela com que o Presidente Lugo, depois de 24 pedidos de “impeachment”, no último, foi afastado do poder, teve, em gráfica frase do Presidente José Mujica do Uruguai, resumida a ocorrência “Decidimos politicamente e não juridicamente”.

E tem o Presidente uruguaio toda razão. Todos os requisitos para a entrada do país dominado por Chavez no MERCOSUL foram dilacerados. Não aceitou o acervo normativo do grupo, por inteiro. Sustenta a mais antiga e sangrenta ditadura das Américas (Cuba), não respeita democraticamente seus opositores, impondo-lhes todos os tipos de restrições, usa palavras indignas de um primeiro mandatário para atacar os Estados Unidos e o Paraguai, duas verdadeiras democracias ao lado do simulacro venezuelano.

As Presidentes do Brasil e da Argentina, todavia, na busca de um motivo para alavancarem o ingresso da Venezuela no bloco econômico, sem as garantias de adesão ao acervo normativo do bloco, sem o aval do Paraguai e sem perscrutar se se vive ou não uma autêntica democracia no sofrido país do histriônico presidente, em censurável “ação entre amigos”, incorporaram o sofrido país ao MERCOSUL por questões de preferência política e ideológica, como disse Mujica, pisoteando, assim, os termos do Tratado de Assunção.

Para comprovar que a deposição de Lugo, que teve quatro votos no Senado e um na Câmara contra seu afastamento por mau desempenho, foi constitucional, basta ler o artigo 225 da Lei Suprema paraguaia assim redigido:

“ARTICULO 225 – DEL PROCEDIMIENTO

El Presidente de la República, el Vicepresidente, los ministros del Poder Ejecutivo, los ministros de la Corte Suprema de Justicia, el Fiscal General del Estado, El Defensor del Pueblo, el Contralor General de la República, el Subcontralor y los integrantes del Tribunal Superior de Justicia Electoral, sólo podrán ser sometidos a juicio político por mal desempeño de sus funciones, por delitos cometidos en el ejercicio de sus cargos o por delitos comunes. La acusación será formulada por la Cámara de Diputados, por mayoría de dos tercios. Corresponderá a la Cámara de Senadores, por mayoría absoluta de dos tercios, juzgar en juicio público a los acusados por la Cámara de Diputados y, en caso, declararlos culpables, al sólo efecto de separarlos de sus cargos, En los casos de supuesta comisión de delitos, se pasarán los antecedentes a la justicia ordinária” (grifos meus).

Adotou, inteligentemente, a nação vizinha, um sistema parlamentar de afastamento de incompetentes, sem os traumas dos “impeachments” presidencialistas. Basta o mau desempenho para o afastamento de um presidente, como ocorre em todos os países civilizados da Europa, quando se nega o voto de confiança ao “premier” nomeado.

Tanto é assim que as tropas não foram às ruas, o presidente deposto formou um gabinete na sombra, tem liberdade total de movimentos, dá entrevistas, sem que o povo tenha saído para apoiá-lo, as eleições programadas para o próximo ano estão mantidas e, pretende, Lugo, nela concorrer a uma cadeira no Senado!!!

Mais do que isto, uma democracia muito mais autêntica que a venezuelana, argentina, boliviana, equatoriana, que é a dos Estados Unidos, já reconheceu a legitimidade do processo paraguaio, o mesmo ocorrendo com as democracias europeias e o presidente da OEA declarou não ter encontrado nada de anormal no processo de “impeachment” do ex-Presidente paraguaio.

O Itamaraty desaconselhou –segundo os jornais- a Presidente a entrar na aventura chavista, mas, no Governo Dilma, não tem sido este um dos Ministérios mais prestigiados, também segundo a mídia.

O certo é que agora este aprendiz de ditador buscará trazer seus acólitos presidenciais (Corrêa e Morales) para se incorporarem à “bolivarização” do MERCOSUL, com a complacência do Brasil, que na Era Lula só tem sido humilhado por seus vizinhos (invasão da Petrobrás na Bolívia, rompimento de contratos com empresários brasileiros no Equador, atrasos e não cumprimentos de contratos pela Venezuela no pagamento de seus compromissos, inclusive de participar com capitais em empreendimentos comuns, barreiras alfandegárias contrárias às regras do MERCOSUL pela Argentina, numa infindável lista de ataques à nossa soberania), com uma subserviência que chega às raias da insensatez.

Dizer, para justificar a entrada da Venezuela que, por conta da incompetência administrativa e econômica de Chavez, o país compra muito do Brasil é uma falácia estupenda.

Compra do Brasil porque precisa e de há muito, mesmo sem estar no MERCOSUL, e compra muito mais da China, que jamais concordaria em participar de um acordo de União Aduaneira com a Venezuela.

O certo é que o Tratado de Assunção foi dilacerado. Em poucas horas, incinerou-se um trabalho de duas décadas. O MERCOSUL deixou de merecer este nome. O melhor é já lhe dar seu nome correto de “Mercochavez”, no qual a Venezuela dará as cartas e o Brasil servirá apenas de um acólito, como já o é nas demais relações mantidas com os países da América do Sul, visto que todos os nossos vizinhos, na denominada “lei de Gerson”, levam vantagem em tudo.

Decididamente, os amigos de Fidel Castro começam a fazer história na América do Sul.

 

Dr.Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

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