Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
A humanidade atravessa tempos difíceis, pode-se afirmar com segurança, mesmo que se diga que tal afirmação é um lugar-comum, uma banalidade, uma disposição que é óbvia, que nem sequer carece de demonstração técnico-científica, qualquer leigo tem esta percepção e, nesta simplicidade, de facto, tudo isto é verdade, porém, assumir, objetiva e responsavelmente esta evidência, parece que já não será assim tão fácil, porque havendo responsáveis, em todas as boas e más situações, normalmente, só para as primeiras é que aparecem a dar o rosto, para colherem os elogios, como diz o povo: “receberem os louros”.
Na realidade, tudo começa e acaba na terra, na criação que nela se gera, vive e morre, por isso, quando o Planeta em que a Humanidade vive se deteriora, também a qualidade de vida de todos os seus habitantes se degrada, não esquecendo que: «Cada comunidade pode tomar da bondade da terra aquilo de que necessita para a sua sobrevivência, mas tem também o dever de a proteger e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras.» PAPA FRANCISCO, 2016:25).
Em bom rigor, pode-se concordar que: «A criação não é uma propriedade, que podemos manipular a nosso bel-prazer, muito menos uma propriedade que pertence só a alguns, a poucos; a criação é um dom, uma dádiva maravilhosa que Deus nos concedeu para a cuidarmos e utilizarmos em benefício de todos, sempre com grande respeito e gratidão.» (Ibid.:27).
Importa conduzir a nossa reflexão para uma outra dimensão da criação, agora, mais especificamente, para a vida humana, porque, em princípio, e quanto a ciência nos indica, quase tudo funciona à volta da pessoa, sem que com esta posição se pretenda defender algum tipo de antropocentrismo, bem pelo contrário, porque haverá um Ente Transcendente, incluindo a própria Natureza, que o Ser humano não controla, e que poder-se-ia designar por Deus, qualquer que Ele seja.
Neste rumo de pensamento, e partindo-se de princípios constitucionais, mas não só, a vida humana é inviolável, faz parte desse Dom Divino que promove a criação, naturalmente, na maior parte dos seres animais e vegetais, pela via da procriação, entre seres de géneros diferentes, embora a ciência, neste domínio, já tenha vindo a produzir outras alternativas que, indiscutivelmente, se respeitam.
É claro que este tema é muito controverso, não existem, tanto quanto se julga saber, noções claras, irrefutáveis e cientificamente verificáveis, para se determinar, em concreto, quando começa e termina a vida, salvo, naturalmente, a opinião avalizada e comprovada dos cientistas-especialistas, e técnicos que trabalham nestes domínios.
Em todo o caso, se porventura, se desejar uma perspetiva religiosa, então poder-se-á aceitar como base de trabalho que: «A via é antes de tudo um dom. Mas esta realidade só gera esperança e futuro quando é vivificada por vínculos fecundos, por relacionamentos familiares e sociais que abrem novas perspetivas. O grau de progresso de uma civilização mede-se precisamente pela capacidade de salvaguardar a vida, sobretudo nas suas fases mais frágeis, mais do que pela difusão de instrumentos tecnológicos. Quando falamos do homem, nunca esqueçamos todos os atentados contra a sacralidade da vida humana.» (Ibid.:30).
Nesta orientação de pensamento, não se compreende, nem tão pouco se aceita, que muitos responsáveis políticos, religiosos, financeiros e, eventualmente, de outros setores, como os cartéis do tráfico de armas, drogas e seres humanos, continuem a criar e alimentar tantos conflitos que tudo destroem: desde a própria natureza, passando pelos diversos patrimónios e acabando nas pessoas inocentes, indefesas, que apenas desejam a vida, o Bem-estar, a Felicidade e a Paz.
Os crimes contra a criação continuam, praticamente, impunes, porque ao processo e forma do diálogo, do bom-senso e da tolerância, impõe-se a violência destruidora das armas. Mas não são apenas os crimes violentos que atentam contra a criação, na circunstância, a que respeita à pessoa humana, que está sujeita a muitas outras formas de destruição psicológica e, principalmente, física.
Defendendo-se, ou não; cumprindo-se, ou não, a legislação, respeitando as posições de cada pessoa, a verdade é que, para os apologistas da vida, qualquer que seja a sua qualidade, eles consideram que: «É atentado contra a vida o flagelo do aborto. É atentado contra a vida deixar morrer os nossos irmãos nas embarcações no canal da Sicília. É atentado contra a vida a morte no trabalho porque não se respeitam as mínimas condições de segurança. É atentado contra a vida a morte por subalimentação. São atentados contra a vida o terrorismo, a guerra e a violência, mas também a eutanásia. Amar a vida é sempre cuidar do outro, desejar o seu bem, cultivar e respeitar a sua dignidade transcendente.» (Ibid.:30).
Certamente que todas as pessoas defendem posições, que acreditam ser as mais equilibradas, justas e legais e, no que à vida concerne, também se aceita que parte significativa da humanidade não deseja a morte, respeitando-se, aqui, todavia, a opinião, e até, o desejo relativamente a: viver com qualidade; ou morrer para não estar a sofrer nem fazer padecer que se ama.
Respeitar a criação é, portanto, uma exigência que se impõe, porque o direito à vida pertence a todos os seres, que coabitam neste planeta. Temos de ser guerreiros defensores da criação, isso implica, e/ou equivale a: «Ter respeito por toda a criatura de Deus e pelo ambiente onde vivemos. É guardar as pessoas, cuidar carinhosamente de todas elas e cada uma, especialmente das crianças, dos idosos, daqueles que são mais frágeis. É cuidar dos outros na família: os esposos guardam-se reciprocamente, depois, como pais, cuidam dos filhos e, com o passar do tempo, os próprios filhos tornam-se guardiões dos pais. É viver com sinceridade as amizades, que são um mútuo guardar-se na intimidade, no respeito e no bem. Fundamentalmente tudo está confiado à guarda do homem, e é uma responsabilidade que nos diz respeito a todos.» (Ibid.:21).
Poucas serão as pessoas que colocam em dúvida a premência de se elegerem, e levarem à prática, medidas que visem promover o respeito pela vida e pela dignidade dos seres vivos, obviamente a começar na pessoa humana, assim como dotar a sociedade dos meios adequados à promoção da qualidade de vida, durante todas as fases da existência de cada pessoa.
Claro que outros seres, animais, que não apenas os humanos, têm, igualmente, direito às melhores condições de vida, e à adequada proteção. Neste sentido, e em boa hora, o legislador português se preocupou na elaboração, e aprovação, de legislação que visa defender a integridade física e a dignidade compatível a muitos outros animais, que coabitam com a pessoa humana. Foi dado um passo de gigante neste domínio, e Portugal está na vanguarda da defesa dos direitos dos animais.
Estamos destinados a coabitar o mesmo planeta, a conviver com respeito uns pelos outros e, com tal desiderato, todos os seres têm os seus direitos, cabendo ao ser humano, aperceber-se, claramente, que também tem deveres que deve cumprir primeiro, antes, ainda, de exigir a satisfação dos direitos. Aos restantes animais pertence-lhes lutar pela sobrevivência, sabendo-se que, numa lógica da cadeia alimentar, uns eliminam outros, de resto, como faz o ser humano, para, também ele, sobreviver, porque tem idênticas necessidades.
Resulta, daqui, que a pessoa humana deverá ser o garante do equilíbrio universal, uma espécie de polícia do ambiente, da criação, da manutenção das condições de vida para todos os habitantes deste planeta tão maravilhoso, rico e, simultaneamente, muitas vezes inaceitavelmente, maltratado.
Vive-se, atualmente, 2020, uma situação de monstruosa pandemia, provocada por um vírus, que se convencionou denominá-lo por COVID-19. As investigações científicas para lutar contra esta peste desenvolvem-se em dezenas de países. Pessoas ficam infetadas às centenas de milhões e centenas de milhares já faleceram. A que se deve esta horrorosa situação, tudo indica que ainda não se identificou a sua origem e a cura.
Bibliografia.
PAPA FRANCISCO (2016). Proteger a Criação. Reflexões sobre o Estado do Mundo. 1ª Edição. Tradução Libreria Editrice Vaticana (texto) e Maria do Rosário de Castro Pernas (Introdução e Cronologia), Amadora-Portugal:20/20 Nascente Editora.
Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
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