O torneio mundial de futebol entra em sua fase final. Várias delegações já voltaram para casa após a participação nesta 20ª edição. E, mesmo sem ainda termos chegado ao grande campeão, alguns fatos acontecidos são, no mínimo, bastante curiosos e merecem reflexão.
Há cerca de 20 dias, havia uma onda pessimista circulando a altos brados e com a maior desenvoltura pela imprensa tradicional e pelo universo virtual das redes sociais, como Facebook, Whatsupp, Instagram e afins. Tudo na organização para o evento era visto como incompetência e ameaça de violência e vexame. O futuro já estava escrito: aeroportos iriam ter dezenas de atrasos; a fluência no tráfego das grandes cidades seria impossibilitada pelos engarrafamentos; estádios não estariam concluídos; profissionais de apoio seriam inábeis; aconteceria o não funcionamento do sistema digital nas áreas dos jogos. O planeta entraria aqui e veria in loco o país dos corruptos, eternos subdesenvolvidos e por aí afora. O escritor Paulo Coelho, o centroavante Ronaldo, o presidente do TCU Augusto Nardes, o ex-cineasta Jabor, entre muitos outros, falaram em temor, vergonha e caos. Sem contar, obviamente, os partidos de oposição. O fato é que a coisa se espalhava e era comum se ouvir em qualquer situação do quotidiano ‘imagine, então, como vai ser na Copa’? ‘Esperar o que deste país?’ ‘Isto aqui não é sério’ etc. O reiterado discurso pessimista, mais as manifestações de 2013, levaram a imprensa estrangeira a também questionar condições. O jornal alemão Der Spiegel traçava um panorama sombrio para o evento no Brasil. O The New York Times falava em “sensação de mal-estar”. A revista The Economist reclamava dos atrasos no transporte e gastos. Coisa horrorosa.
É bom lembrar, entretanto, que a realização da Copa já havia sido um desejo da atual oposição. Isto foi tentado na gestão de FHC e não aconteceu, causando frustração. E a bronca foi ampliada com o ok da FIFA para Lula. Sem contar as Olimpíadas. Até ai, então, no geral, portanto, ‘todo mundo’ estava a fim de ter o evento, ou seja, os brasileiros podiam e deviam fazer o mundial de futebol, coisa que traria benefícios até para a população menos abonada – a imensa maioria – que se favoreceria com a herança das melhorias. Também é interessante, por exemplo, lembrarmos que após a oficialização da FIFA, quando das manobras para se tirar o que seria uma reforma do Morumbi para se dirigir recursos para o Itaquerão, também houve uma parceria entre petistas, tucanos e Kassab, de forma muito determinada, coesa, coisa que os movimentos sociais – que em São Paulo aguardam resoluções para problemas habitacionais, entre outros vários – não vêem acontecer em suas demandas com a mesma diligência. São fatos curiosos.
Então, parece que o ‘vai dar errado’ é que não deu certo. Quando a bola começou a rolar, as coisas mudaram de figura. Futebol é mesmo uma paixão popular, embora o povo não tenha acesso às arenas na prática devido aos preços pouco suaves para a massa. Mas, é um espetáculo que encanta. Nem que seja pelo telão da praça pública. Prova disso é que acaba de sair uma pesquisa feita pelo Datafolha e seu resultado indica que a proporção de eleitores favoráveis à Copa do Mundo no Brasil subiu de 51% para 63% em um mês. E o orgulho com a realização do Mundial foi a 60%. E mais: o levantamento apontou ainda que, para 76%, os torcedores que ofenderam a presidente no jogo de estreia da Copa, em São Paulo, no Itaquerão, agiram mal.
E a imprensa estrangeira também deu esse reflexo: o espanhol El País disse que as críticas não eram para tanto. O francês Le Monde fala em ‘milagre brasileiro’, um evento que vem sendo “tocado à moda local: de forma acolhedora e sem preocupação”. Elogios são encontrados agora também no The New York Times, no The Economist e no The Guardian. O UOL fez uma pesquisa entre os correspondentes estrangeiros no Brasil. Descobriu, então, que entre 117 profissionais perguntados, o Mundial deste ano é o melhor já visto pela maioria deles, isto é, 38,5%. Em segundo, vem o da Alemanha, 2006, com 19,7%. Então, esta é ‘a Copa das Copas’. A Revista Exame aponta que segundo a MasterCard o gasto de estrangeiros no Brasil registrou um crescimento de 143% em junho no Brasil na comparação com o mesmo mês do ano passado; o número das transações registrou um crescimento ainda maior: 153%. O setor de lojas esportivas teve um salto de 600% e o de agências de turismo, 200%, tudo entre 8 e 22 de junho. Segundo a SPTuris, por conta do desempenho desde o início dos jogos, a expectativa é que o impacto da Copa no turismo paulistano supere a estimativa inicial de R$ 700 milhões e ultrapasse a marca de R$ 1 bilhão. Imaginem, então, se não tivesse ocorrido tanta condenação e pânico semeado, quantos turistas teriam vindo a mais por todo este território? Perdemos negócios assim.
Dia 26 o Jornal Nacional, da Rede Globo, fez uma matéria apontando os equívocos das notícias de antes do evento, sobre as previsões que tudo daria errado. Mas, disse que a acidez das críticas vinha especialmente do exterior, pois, aqui, o jornalismo serviria apenas como demonstração de preocupação com o bom andamento das obras, pelo interesse público. Assim, teria havido uma ‘contaminação’ por nossa imprensa. Será mesmo? Não teria sido o contrário? “Imprensa brasileira teve espírito de porco antes”, comentou o jornalista Ruy Castro. Disse tudo.
A Copa do Mundo no Brasil está sendo um sucesso como evento e ponto final. Está na cara que muita gente fez terrorismo dentro da grande imprensa brasileira porque são opositores ao governo que aí esta e sabem muito bem que, tudo dando certo, seria ainda mais difícil tirar a reeleição de Dilma na corrida às urnas nos próximos meses. Obras foram superfaturadas; prazos deveriam ter sido respeitados e entregues sem correrias; estádios foram construídos em locais onde não há futebol vigoroso e, assim, podem tornar-se ‘elefantes brancos’, o que configura desperdício; houve violência contra os movimentos sociais, especialmente àqueles vinculados aos sem-teto. Tudo isto é real. Deve ser combatido e cobrado. Aliás, os empréstimos a clubes e empresas precisam voltar aos cofres públicos e o ‘legado urbanístico’ prometido deve ser concluído em cada cidade. Fiscalização nisto tudo. E se teve gente roubando, como chegaram a dizer, é provar isso e cadeia nos responsáveis. Vale para todos os dias, com ou sem mundial de futebol. Difamar o país é injusto e triste. Não pode ocorrer mais.
Quanto vale mexer com a autoestima de uma nação de forma instigante? Quanto passar uma imagem positiva da nação ajuda? Quanto vale afastar algum ‘complexo de vira-lata’ existente? Mostrar que não devemos nada a ninguém e que podemos vir a ser muito melhores do que somos é importante. Claro, sem jamais perder o espírito crítico, afinal, pouco foi mudado da velha relação ‘casa grande & senzala’ neste Brasil. Temos muito ainda que caminhar e lutar por transformações. Há imensas discrepâncias socioeconômicas, coisas históricas. Em resumo, isto é o que a elite dominante não deseja, teme e se arrepia toda só de pensar: um povo que se descubra, que se torne confiante e determinado. Esse é o medo. Por isso se aposta tanto no fracasso, na baixa autoestima. Na pregação do ‘é assim mesmo’, ‘se Deus quiser’ e etc. Mecanismo de controle social. Temos problemas, porém, quem não os tem? A ‘Copa das Copas’ está acabando, contudo, a luta no campeonato da vida prossegue por melhoras. Jogo duro para se suar a camisa. Bola pra frente, minha gente! São Paulo, 3 de julho de 2014.
Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.