Escrevo este artigo com profundo desconforto, levando-se em consideração a admiração que tenho pelos Ministros da Suprema Corte brasileira, alguns com sólida obra doutrinária e renome internacional.
Sinto-me, todavia, na obrigação, como velho advogado, de manifestar meu
desencanto com a sua crescente atuação como legisladores e constituintes, e não como julgadores.
À luz da denominada “interpretação conforme” estão conformando a Constituição à sua imagem e semelhança e não àquela que o povo desenhou por meio de seus representantes.
Participei, a convite dos constituintes, de audiências públicas e mantive permanentes contatos com muitos deles, inclusive com o relator, Senador Bernardo Cabral e com o presidente, Deputado Ulisses Guimarães. Lembro-me que a idéia inicial, alterada na undécima hora, era a de adoção do regime parlamentar. Por esta razão, apesar de o decreto-lei ser execrado pela Constituinte, a medida provisória, copiada do regime parlamentar italiano, foi adotada.
Por outro lado, a fim de não permitir que o Judiciário se transformasse em legislador positivo, foi determinado que, na ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º), uma vez declarada OMISSÃO DO CONGRESSO, o STF comunicasse ao Parlamento o descumprimento de sua função constitucional, sem, entretanto, fixar prazo para produzir a norma e sem sanção, se não a produzisse. NEGOU-SE, assim, AO PODER JUDICIÁRIO, a competência para legislar.
E, nesse aspecto, para fortalecer mais o Legislativo, deu-lhe, o constituinte, o poder de sustar qualquer decisão do Judiciário ou do Executivo, que ferisse sua competência (art. 49 inciso XI).
No que diz respeito à família, capaz de gerar prole, discutiu-se se seria ou não necessário incluir o seu conceito no texto supremo – entidade constituída pela união de um homem e de uma mulher e seus descendentes (art. 226, §§ 1º, 2º, 3º, 4º e 5º), – e os próprios constituintes, nos debates, inclusive o seu relator, entenderam que era relevante fazê-lo constar, para evitar qualquer outro tipo de interpretação, como, por exemplo, a de que o conceito pudesse abranger a união homossexual.
Aos pares de mesmo sexo, não se excluiu nenhum direito, mas, decididamente, sua união não era –para os constituintes- uma família. Aliás, idêntica questão foi colocada à Corte Constitucional da França, em 27/01/2011, que houve por bem declarar que cabe ao Legislativo, se desejar mudar a legislação, fazê-lo, mas nunca ao Judiciário legislar sobre uniões homossexuais, pois a relação entre um homem e uma mulher, capaz de gerar filhos, é diferente daquela entre dois homens ou duas mulheres, incapaz de gerar descendentes, que compõem a entidade familiar.
Este ativismo judicial, que fez com que a Suprema Corte substituísse o Poder Legislativo, eleito por 130 milhões de brasileiros – e não por um homem só -, é que entendo estar ferindo o equilíbrio dos Poderes e tornando o Poder Judiciário o mais relevante dos três, com força para legislar, substituindo o único poder que reflete a vontade da totalidade da nação, pois nele situação e oposição estão representadas.
Sei que a crítica que ora faço poderá, inclusive, indispor-me com os magistrados que a compõem. Mas, há momentos em que, para um velho professor de 76 anos, estar de bem com as suas convicções, defender a democracia e o Estado de Direito, em todos os seus aspectos, é mais importante do que ser politicamente correto.
Sinto-me como o personagem de Eça, na ‘A ilustre casa de Ramires’, quando perdeu as graças do monarca: “prefiro estar bem com Deus e a minha consciência, embora mal com o rei e com o reino”.
Dr.Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.