Da Redação com Lusa
A concertina recuperou nas últimas décadas a importância perdida no panorama da música portuguesa, num movimento ditado inicialmente pela necessidade dos grupos folclóricos e depois consolidado com o ensino do instrumento em diversas regiões.
Dulce Cruz, 51 anos, trabalha no Ministério da Educação como professora de educação musical, mas muito jovem teve os primeiros contatos com a concertina no Grupo Típico de Ançã, no concelho de Cantanhede, centro de Portugal.
“É com ela que eu hoje me sinto à vontade em palco”, afirma à agência Lusa a docente, que aos 15 anos começou a tocar o instrumento diatônico no rancho fundado, em 1978, pelo padre Manuel Jesus e do qual o seu pai já fazia parte como acordeonista.
Enquanto diretora da Academia de Música de Ançã, Dulce Cruz aposta com outros colegas no ensino da música em diferentes áreas, reservando para si a partilha dos segredos da concertina com os alunos.
“É o instrumento de que mais gosto”, refere, para explicar que esta preferência, embora esteja também à vontade com o acordeão e a gaita-de-foles, é o seu contributo para “perpetuar a cultura tradicional”.
Ao mesmo tempo, está envolvida nas atividades dos Gaiteiros Rainha Santa e da banda Ama Folk, que tem duas concertinas.
“Eu sempre andei um bocadinho num ‘mix’ entre a música tradicional portuguesa e uma busca por algo diferente nas músicas do mundo”, conta Dulce Cruz, que faz incursões pelos congêneres de países como Brasil, Espanha, Itália, França e Reino Unido.
No Norte de Portugal, o culto da concertina “é quase uma religião”, com cantares ao desafio e desfiles.
“Nós aqui, no distrito de Coimbra, não temos muito isso. Sei que temos na Lousã alguma coisa, mas não como no Minho”, adianta.
Na Lousã, o reformado José Faria, de 72 anos, recorda a infância, quando o pai, o tocador Manuel Faria, “andava fora de casa dois ou três dias”, a abrilhantar bailes e festas para os quais era convidado.
“Foi com ele que aprendi de ouvido a tocar concertina”, acrescenta à Lusa o dirigente do Grupo Etnográfico da Região da Lousã, que passou por outras coletividades e que, por falta de concertinistas, se viu forçado a aperfeiçoar a sua desenvoltura neste domínio.
Na sua opinião, o parente do harmónio e do acordeão, que “esteve praticamente em vias de extinção”, está agora “para ficar e com tocadores cada vez mais evoluídos”.
A Associação Cultural Grupo Concertinistas da Lousã é uma das entidades locais que promove iniciativas e o ensino nesta área, tirando partido do legado musical de uma família de tocadores da Serra da Lousã.
Este trabalho tem sido dinamizado, entre outros, por Osvaldo e Jerónimo Serra, sobrinho e filho, respetivamente, do estivador do Porto de Lisboa Manuel Serra, já falecido, que em finais do século XX era um dos mais genuínos concertinistas da região.
Por sua vez, a Escola de Concertinistas da Lousã foi criada, em 2004, por pessoas “empenhadas na arte de ensinar e tocar concertina” e por ela já passaram “muitas centenas” de aprendizes.
A engenheira florestal Ana Rita Rodrigues, de 38 anos, foi uma das primeiras alunas, assumindo depois a responsabilidade da formação.
Tocadores de três gerações da mesma família estão atualmente ligados à escola, incluindo o pai, José Rita, e a pequena Carolina, de oito anos, filha de Ana Rita e Bruno Pinto, que participa também nas atuações.
“Tem havido bastante evolução. Desta, acabou por sair uma grande maior das escolas da região Centro”, salienta a formadora à Lusa.
A associação, que inclui um grupo para espetáculos, está agora a ministrar o 32.º curso de concertinistas.
“Na primeira aula, já saem daqui a tocar uma variação de um fado”, congratula-se.
Foi lá que Pedro Duarte, de 25 anos, trabalhador da construção civil, aprendeu as primeiras notas. “Tudo por imposição dos meus pais, que gostam muito do instrumento”, sorri.
Ele tinha oito anos, “não sabia se gostava ou se não gostava”. Ao longo da semana, pensa nos concertos e nos ensaios, mas raramente pratica em casa.
“É na escola que gosto de tocar”, conclui Pedro Duarte.