Por Ives Gandra da Silva Martins
Tenho acompanhado pela imprensa a manifestação de muitos articulistas que entendem que ser contra o aborto é defender teses retrógradas. Neste artigo, pretendo escrever apenas sobre o sofrimento do feto ou do bebê já formado durante o abortamento, lembrando que, em alguns países, já se estuda a possibilidade de anestesiá-los antes da prática do ato para que não sofram tanto quando lhes for tirada a vida.
Bernard Nathanson, em seu livro The hand of God (recentemente lançado no Brasil como A mão de Deus), arrola as técnicas utilizadas para tirar a vida de seres humanos no ventre materno. Como médico, ele próprio dirigiu pessoalmente por volta de 75 mil abortos nos Estados Unidos. Chegou a provocar o aborto de um filho seu, concebido em relação que mantivera com aluna do 5.º ano da faculdade de Medicina. Começou a repensar o assunto em 1974, quando percebeu que era um homicida de crianças, arrependeu-se e passou a ser, então, um defensor da vida.
No oitavo capítulo de seu livro, Nathanson descreve, entre os métodos abortivos, o sistema de aspiração, introduzido por Bykov, em 1927, e difundido no mundo inteiro como forma de extermínio em massa de nascituros. Conta, inclusive, um episódio que acompanhou, por ultrassom, de aplicação do método da aspiração (que consiste em sugar o feto) por uma equipe médica americana. No momento em que o aspirador foi introduzido útero materno, o feto procurou desviar e seus batimentos cardíacos quase dobraram quando o aparelho o encontrou. Assim que seus membros foram arrancados, sua boca abriu-se, o que deu origem ao título do seu documentário: O grito silencioso.
No método de corte, utilizado nas décadas de 60 e 70 para interromper a gravidez no início gestação, um raspador é introduzido para separar o feto e cortá-lo em pedaços, provocando grande hemorragia na mãe. O médico precisa ter o cuidado de verificar se nenhuma parte do nascituro ficou no ventre materno, para não provocar uma infecção.
No método da injeção com substância salina, injeta-se o veneno no feto (quase sempre com mais de 18 semanas) e este leva mais de uma hora para morrer, expelindo a mãe um filho morto por envenenamento, em torno de 24 horas depois. Nos abortos em que a criança já tem cerca de 1 kg, o método aconselhado é a cesariana, e depois – como seres humanos já nascidos ocorre nos abortários americanos – deixa-se a criança morrer numa lata de lixo, apesar de ter nascido viva. Já menos usado é o processo de queimar o nascituro, como se fosse atingido por uma bomba de “napalm”.
Nenhum método elimina a dor do feto ou do bebê, razão pela qual, nos países que permitem o aborto, já se fala em anestesiar os nascituros antes de dar execução à morte programada. Em muitos deles há um forte movimento para eliminar a lei permissiva.
Falar, portanto, em aborto de forma “neutra”, sem examinar a dor infligida ao nascituro, é querer, como a avestruz, ignorar a realidade: que o aborto é uma forma de pena de morte, com a utilização de métodos sangrentos e desumanos. Tais métodos são até mais violentos que os empregados para a execução de seres humanos já nascidos, como, por exemplo, o fuzilamento, em que o condenado morre de imediato, ao passo que o sofrimento do nascituro até morrer é muito maior.
José Renato Nalini, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, no programa Caminhos do Direito e da Economia, promovido pela Academia Internacional de Direito e Economia, mostrou que, nos casos de aborto não punível elencados no artigo 128 do Código Penal – para ele e para mim a lei penal não foi recepcionada pela Constituição de 1988, que garantiu o direito à vida sem exceções –, a morte do nascituro teoricamente pode ser realizada a qualquer momento durante os nove meses de gestação, dependendo, exclusivamente, da decisão da mãe.
Um último aspecto a se realçar é o de que a anencefalia (que o STF decidiu ser circunstância que justifica o aborto não punível) pode ser parcial ou total, de tal maneira que, mesmo com os mais modernos equipamentos, não é possível garantir 100% de precisão diagnóstica – o que, de resto, acontece em todos os exames que dependem da habilidade do profissional que os realiza e elabora o laudo médico. Segundo o depoimento de uma aluna minha, em seu caso foi diagnosticada a anencefalia e esse diagnóstico, felizmente, estava errado.
Pelo artigo 5.º da Constituição Federal, o primeiro direito inviolável é o direito à vida. Pelo artigo 2.º do Código Civil, todos os direitos são assegurados ao nascituro desde a concepção, sendo contraditório que se dissesse que são assegurados todos os direitos menos o direito à vida. Por fim, o artigo 4.º do Pacto de San José, que assegura os direitos humanos na América e do qual o Brasil é signatário, afirma que a vida deve ser assegurada desde a concepção.
Parece-me, pois, cruel afirmar que o nascituro não tem direito à vida, no Brasil, quando a lei considera crime destruir ovos de tartaruga.
Sem polemizar com os defensores do aborto como direito da mulher, defendo permanentemente que o nascituro tem direito à vida, assegurado pela lei suprema e pelo Código Civil.
Por Ives Gandra da Silva Martins
Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio/SP. Professor Emérito da Universidade Mackenzie e das Escolas do Comando e Estado Maior do Exército (ECEME) e Superior de Guerra (ESG). Catedrático da Universidade do Minho (PORTUGAL); presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio (SP).