Caso gêmeas: Antigo chefe de gabinete de Costa defende que procedimento “foi o habitual”

Mundo Lusíada com Lusa

 

Nesta quinta-feira, o antigo chefe de gabinete de António Costa disse que o procedimento seguido no caso das gêmeas luso-brasileiras “foi o habitual”, e que São Bento encaminhou para o Ministério da Saúde um ofício da Presidência da República.

“O procedimento foi o habitual. A missiva chegou da Casa Civil, foi reencaminhada, como era feito habitualmente com este tipo de missivas”, referiu, em resposta à deputada única do PAN, na comissão de inquérito, no parlamento, onde foi ouvido durante hora e meia sobre o caso das gêmeas luso-brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria com o medicamento Zolgensma.

Francisco André, agora embaixador da União Europeia no México e à data dos fatos, em 2019, chefe de gabinete do então primeiro-ministro António Costa, reiterou, em resposta ao PSD, que não houve “nada de anormal” e que este caso “foi tratado de forma igual a todos os outros”.

“O sistema implementado enquanto eu exercia funções era que todas as comunicações recebidas fossem da Casa Civil ou de cidadãos e entidades que chegavam ao gabinete eram reencaminhadas para os ministérios setoriais” após análise e triagem, explicou, rejeitando a ideia de que se trate de uma “mera caixa de correio postal”.

Já em resposta à IL, Francisco André acrescentou que é feita uma análise de “qual o ministério que tem capacidade de responder” e defendeu que o “gabinete do primeiro-ministro não tem meios nem capacidade para responder e estar a seguir todos os assuntos dos milhares de comunicações que chegam todos os meses”.

O ex-chefe de gabinete confirmou que em 31 de outubro de 2019 o gabinete do então primeiro-ministro recebeu uma comunicação da Presidência da República a dar conta do caso e que esse documento foi encaminhado para o Ministério da Saúde dias depois, no início de novembro, juntamente com vários outros assuntos.

Na sua intervenção inicial, o antigo chefe de gabinete disse que não teve “nenhuma intervenção direta ou indireta” no caso, e que o ofício não foi assinado por si. De acordo com Francisco André, quem tratou foi uma assessora sua, dado que à data “não estaria no gabinete ou não estaria disponível”.

Francisco André ressalvou que na altura não tinha “qualquer conhecimento sobre quem era o remetente originário” do email, o filho do Presidente da República (informação que o chefe da Casa Civil disse ter retirado de propósito para evitar que fosse considerado como pressão), e que só soube dessa informação “durante os trabalhos desta comissão de inquérito”.

O antigo chefe de gabinete do primeiro-ministro assinalou igualmente que teve conhecimento do caso das duas crianças que receberam um dos medicamentos mais caros do mundo em novembro do ano passado, quando foi tornado público por uma investigação televisiva.

“Não pude dar conhecimento disso a ninguém, nem ao primeiro-ministro ou qualquer outra pessoa ou entidade”, salientou, referindo também que o gabinete de António Costa “nunca foi contactado pelos pais das crianças ou qualquer outra pessoa ou entidade” sobre este caso.

Francisco André indicou também não ter conhecimento “de nenhum contato telefónico ou por outra via sobre este assunto” e rejeitou que tenha existido qualquer outra diligência adicional.

Ao Livre, o antigo chefe de gabinete respondeu que nunca se reuniu ou teve qualquer pedido de contato por parte de Nuno Rebelo de Sousa, indicando que conheceu o filho do Presidente da República no Brasil, já depois de deixar estas funções em São Bento, e que trocou com ele “meia dúzia de palavras de cortesia”.

Pelos partidos, o deputado António Rodrigues, do PSD, considerou que esta audição “entra no domínio no inútil” e Joana Mortágua, do BE, criticou intervenções anteriores, de outros partidos, defendendo que “a ausência de substância nesta audição faz com que derive no empolamento para espetáculo de procedimentos normais ou para considerações genéricas sobre a administração pública”.

Joana Cordeiro, da IL, lembrou que a audição foi proposta pelo seu partido e também pelo PSD e pelo Chega e foi aprovada por unanimidade.

Já André Ventura, do Chega, protagonizou um momento de alguma exaltação, quando questionou Francisco André sobre o procedimento adotado e o facto de o Ministério da Saúde não ter acusado a recepção do ofício.

Esta foi a última audição na comissão de inquérito ao caso das gémeas antes da pausa para férias, que retoma os trabalhos em setembro.

Presidência

No dia 24, a assessora da Casa Civil da Presidência da República Maria João Ruela disse que o caso em 2020 foi “tratado de forma idêntica” a outros.

A consultora para os Assuntos Sociais, Sociedade e Comunidades da Casa Civil do Presidente da República explicou que no dia 21 de outubro de 2019 recebeu um ‘mail’ do chefe da Casa Civil, reencaminhado também para Marcelo Rebelo de Sousa, a perguntar se Maria João Ruela podia “perceber o que se passa”.

“Abaixo nesse ‘mail’, estava a comunicação de Nuno Rebelo de Sousa”, indicou a antiga jornalista na comissão de inquérito.

Maria João Ruela afirmou que o que lhe foi pedido foi para “promover esforços para tentar enquadrar a situação”, considerando ser “um procedimento habitual para o acompanhamento de correspondência dirigida e enviada ao Presidente da República”, na área dos Assuntos Sociais e Comunidades Portuguesas.

Afirmou ainda que cessou a troca de correspondência com Nuno Rebelo de Sousa em 23 de outubro de 2019.

“Todo o processo foi por mim tratado de forma idêntica a todos os outros que tenho acompanhado ao longo dos últimos oito anos na Presidência da República”, sublinhou.

A assessora do Presidente da República explicou que teve acesso a um texto, elaborado por familiares das crianças, no qual era referido que “já teria sido enviada documentação” – histórico, diagnóstico, exames e relatórios – para o médico José Pedro Vieira, a pedido de Teresa Moreno.

Segundo Maria João Ruela, tinha sido recebida a sugestão para contactar o Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central, do qual faz parte o Hospital Dona Estefânia.

“Com base nestas informações, tomei duas iniciativas, creio que em 21 de outubro de 2029. A primeira contatar Nuno Rebelo de Sousa para perceber onde se encontravam as crianças, se em Portugal ou no Brasil, e “uma segunda iniciativa visou obter informação genérica sobre o encaminhamento que estava ou poderia ser dado a casos semelhantes”, esclareceu, assinalando que nunca teve o contacto telefónico do filho do Presidente da República.

 A assessora de Marcelo Rebelo de Sousa lembrou o caso da bebé Matilde que “tinha ocorrido nesse mesmo ano” e que havia “relato de situações com outros bebés”.

“Dessa iniciativa não guardo qualquer registo, apenas a informação então apurada e relatada ao chefe da Casa Civil, que a incluiu num ‘mail’ enviado ao Presidente da República a 22 de outubro”, precisou.

Recordando que não voltou a falar do caso, até novembro do ano passado, quando surgem as primeiras notícias da TVI/CNN, Maria João Ruela disse que em 23 de outubro de 2029 recebeu um ‘mail’ de Nuno Rebelo de Sousa, “insistindo na obtenção de uma resposta”.

“Perante esse contato, pedi orientações ao chefe da Casa Civil sobre que resposta lhe poderia dar”, referiu, observando que a partir desse momento cessou as comunicações com Nuno Rebelo de Sousa.

“A partir desse momento acompanhei a troca de correspondência, entre o chefe da Casa Civil e Nuno Rebelo de Sousa até a mesma cessar a 31 de outubro de 2019”, acrescentou.

Maria João Ruela disse ainda que, além da comissão parlamentar de inquérito, nunca foi “ouvida nem demandada para esclarecimentos por qualquer outra entidade”.

A ex-jornalista lembrou que, desde 2016 até ao final do ano passado, “chegaram à assessoria dos assuntos sociais e comunidades portuguesas 32.864 mensagens, entre cartas e ‘mails’”.

“No ano a que reportam os fatos, 2019, foram recebidas na assessoria dos Assuntos Sociais e Comunidades um total de 4.947 cartas ou ‘mails’ de cidadãos, e destes 434 foram enviados ao gabinete do primeiro-ministro”, incluindo 64 mensagens de apelo para a bebé Matilde, disse, avançando que “nos primeiros seis meses deste ano, das 1.377 cartas recebidas”, 272 foram enviadas para o gabinete do primeiro-ministro.

Queixa mãe

O presidente da comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas disse que a comissão aceitou a documentação disponibilizada na quarta-feira pelo PSD relativa à apólice de seguro da mãe das crianças, adiando “qualquer queixa” à progenitora.

“A comissão deliberou aceitar essa documentação, considerá-la genuína”, disse aos jornalistas Rui Paulo Sousa depois da reunião de mesa e coordenadores que antecedeu à audição de Francisco André, ex-chefe de gabinete do ex-primeiro-ministro António Costa.

Durante a audição da consultora do Presidente da República, o coordenador do PSD, António Rodrigues, revelou ter tido acesso à apólice da mãe – entre outros documentos – celebrada com a companhia brasileira Amil Assistência Médica Internacional.

António Rodrigues explicou que teve acesso a “tudo o que estava em causa sobre a apólice de seguro no Brasil e do processo judicial entre a mãe das crianças e a seguradora”, depois de o advogado da mãe das crianças, Wilson Bicalho, ter recusado entregar à comissão parlamentar de inquérito a documentação.

Segundo o também deputado do Chega, os partidos também decidiram “insistir junto da mãe das gémeas para que forneça também a documentação”.

“Inclusive, vamos pedir ao Tribunal de São Paulo. Vai ser pedida à seguradora, ao tribunal e à mãe das gémeas essa documentação, porque pode haver alguns dados que não constam naquela que temos agora”, referiu.

Depois de ter dito na quarta-feira que o “mais certo é que não seja feita nenhuma” queixa à mãe das crianças por desobediência, o presidente da comissão parlamentar de inquérito confirmou agora essa intenção.

“Como vamos insistir novamente no pedido, para já fica adiada qualquer queixa. Vamos insistir novamente e informar Daniela Martins que terá de responder”, afirmou, esclarecendo que o contato será feito através do advogado.

No início da reunião, os deputados aprovaram, com a abstenção do PCP e do Livre, a utilização e disponibilização da documentação fornecida pelo PSD relativamente ao contrato entre a família e a seguradora e aos processos em tribunal.

Foi também aprovado um requerimento da IL para que sejam enviadas à comissão as comunicações que chegaram à Presidência da República em junho, que tinham a ver com pedidos de marcação e consulta, e que foram encaminhadas para o Ministério Público por suspeitas de serem falsas.

A comissão pediu também a documentação relacionada com os pedidos feitos pelo filho de Marcelo Rebelo de Sousa para a Presidência da República.

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