Se não somos capazes de nos entender na casa da democracia, que exemplo estamos a dar para fora” disse novo presidente
Mundo Lusíada com Lusa
O deputado do PSD José Pedro Aguiar-Branco foi eleito nesta quarta-feira presidente da Assembleia da República com 160 votos a favor, à quarta tentativa.
O regimento da Assembleia da República determina que o presidente do parlamento é eleito na primeira reunião plenária da legislatura por maioria absoluta dos votos dos deputados em efetividade de funções.
“Declara-se eleito presidente da Assembleia da República o candidato José Pedro Aguiar-Branco”, afirmou António Filipe, que presidiu à primeira sessão plenária da XVI legislatura.
Os resultados foram aplaudidos de pé por PSD e CDS-PP, a maioria da bancada do PS, sentados, e alguns deputados da IL.
Antes de subir à tribuna para discursar, o novo presidente do parlamento cumprimentou os líderes parlamentares de todas as bancadas.
À mesma eleição, concorreu o deputado do Chega Rui Paulo Sousa, que obteve 50 votos, registrando-se ainda 18 votos brancos, numa votação em que participaram 228 dos 230 deputados.
Aguiar-Branco só foi eleito à quarta tentativa depois de, ao final da manhã, PS e PSD terem anunciado um acordo que prevê que os sociais-democratas só presidirão ao parlamento nas primeiras duas sessões legislativas, até setembro de 2026, e os socialistas indicarão um candidato para o resto da legislatura.
Os votos obtidos pelo antigo ministro da Defesa, 160, é ligeiramente superior à soma das bancadas do PSD, PS e CDS-PP (158).
Com esta votação, Aguiar-Branco superou a do anterior presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, que tinha sido eleito em 29 de março de 2022 com 156 votos a favor, 63 brancos e 11 nulos, na primeira sessão plenária da XV legislatura, tendo sido candidato único ao cargo, indicado apenas pelo Partido Socialista.
No entanto, o processo agora foi bastante mais atribulado, tendo envolvido quatro votações.
A primeira tentativa de eleição do presidente do parlamento, feita por voto secreto, começou pelas 15:00 de terça-feira, então apenas com o deputado social-democrata José Pedro Aguiar-Branco como candidato.
Pelas 17:00, era anunciado o primeiro falhanço desta eleição para presidente da Assembleia da República, já que o antigo ministro da Defesa obteve 89 votos a favor, 134 brancos e sete nulos. Cerca de uma hora depois o PSD retirou a candidatura, mas pelas 19:00 o antigo ministro da Defesa voltou a reapresentá-la.
Pela mesma hora, o PS decidia avançar com a candidatura de Francisco Assis e o Chega de Manuela Tender. Na primeira volta, o socialista venceu por uma margem curta (90 contra 88 de Aguiar-Branco) e a deputada do Chega ficaria pelo caminho com 49 votos.
À segunda volta – terceira tentativa de eleição -, repetiu-se novo falhanço, com resultados muito semelhantes: 90 votos para Assis e 88 para Aguiar-Branco, sem que nenhum conseguisse a necessária maioria absoluta de votos favoráveis.
A sessão de hoje chegou a estar marcada para o meio-dia, mas sucessivos adiamentos dos prazos para a entrega de candidaturas levou ao seu arranque já depois das 15:00.
O antigo ministro e deputado José Pedro Aguiar-Branco regressa assim à Assembleia da República, cinco anos depois de ter deixado o parlamento, como a sua figura cimeira.
José Pedro Correia de Aguiar-Branco nasceu em 1957, foi deputado entre 2005 e 2019, tendo ocupado o cargo de ministro da Defesa no Governo liderado por Passos Coelho entre 2011 e 2015 e de ministro da Justiça no curto Governo PSD/CDS-PP encabeçado por Pedro Santana Lopes (2003-2004).
Nas legislativas de 10 de março, foi eleito deputado pela coligação AD (que junta PSD, CDS-PP e PPM) como cabeça de lista por Viana do Castelo.
Além de ministro em dois Governos liderados pelo PSD, foi presidente do grupo parlamentar social-democrata na XI Legislatura e vice-presidente do partido de abril de 2008 a março de 2010, durante a liderança de Manuela Ferreira Leite.
Regras da eleição
Como presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco defendeu que a sua eleição à quarta tentativa ensinou que não se deve desistir da democracia e desafiou todos os grupos parlamentares a repensar o regimento para evitar impasses semelhantes.
Na primeira intervenção após a sua eleição, Aguiar-Branco começou por agradecer ao deputado comunista António Filipe pela “elevada competência e sentido de Estado e dignidade” com que dirigiu os trabalhos do parlamento até à sua eleição, na terça-feira e hoje, o que mereceu uma longa ovação do plenário.
“Se alguma coisa o dia de ontem nos ensinou é que não devemos desistir da democracia. Eu não desisto”, assegurou.
Aguiar-Branco anunciou que irá desafiar todos os grupos parlamentares “a repensar o regimento”, concretamente no que à eleição da mesa da Assembleia da República diz respeito, para que o impasse que aconteceu neste processo “não se volte a repetir” a “bem da democracia”.
Assumindo o compromisso de presidente do parlamento, o social-democrata compromete-se com a “elevada responsabilidade” do cargo, considerando que “o voto de cada português deve merecer igual respeito por parte de todos os cidadãos”, especialmente da parte dos deputados.
“Acredito que para que a democracia representativa se possa impor é fundamental que a ação política dos protagonistas eleitos e a liderança pelo exemplo sejam conduzidos de forma irrepreensível, quanto ao sentido de serviço à causa pública”, acrescentou.
Aguiar-Branco aceita “a exigência de imparcialidade, equidistância, rigor” que todos esperam de si, compreendendo a natureza da função que assume.
“Se é verdade que o regimento se aplica a 230 deputados, a lealdade do presidente da Assembleia da República aplica-se para com todos os 229 deputados. Se não somos capazes de nos entender na casa da democracia, que exemplo estamos a dar para fora”, questionou, recebendo muitas palmas neste momento.
O novo presidente do parlamento espera que a Mesa da Assembleia da República que “vai ser hoje eleita seja capaz de unir o que as ideologias separam” e que “a política não separe o que os eleitores nesta casa quiseram unir”.
“Independentemente dos cenários e das hipóteses, independentemente do que lemos e ouvimos, os portugueses elegeram-nos para aqui estarmos nos próximos quatro anos. Temos todos de estar à altura dessa expectativa”, apelou.
Aguiar-Branco vê, ouve e lê as críticas que são feitas aos políticos e à política, apontando que muitos veem os políticos como “uma casta à parte do resto do país”.
“Ouvimos falar mais de política do que das políticas, ouvimos mais análises e comentários sobre cenários e hipóteses do que sobre as políticas que aqui se discutem, que aqui se desenham e que aqui se constroem. Esta casa não é a casa dos cenários e dos comentários, é a casa das políticas que no concreto afetam os portugueses”, enfatizou.
Para o social-democrata, o parlamento é muito mais do que as comissões de inquérito e “o trabalho parlamentar não tem que ser espetacularizado nem tem que ser transformado em programa televisivo”.
“Mas as pessoas têm que saber mais e melhor o trabalho sério, estrutural e competente que aqui é efetuado”, ressalvou.
Nos 50 anos do 25 de Abril, de acordo com Aguiar-Branco, “abrir o parlamento, mostrar o que aqui é feito, como é feito e quando é feito é mais do que uma opção, é um dever, é uma responsabilidade que começa com os deputados, mas não termina nesta sala”.
“Termino tomando de empréstimo as palavras de Miguel Veiga: a democracia é de uma magnífica fragilidade”, concluiu.