Steve Jobs, um novo avatar da mídia

No último dia 5 de outubro veio a falecer o criador e diretor-executivo da Apple, Steve Paul Jobs. Sua morte foi notícia destacada em todo o mundo. Um pouco de sua trajetória. Era filho de dois estudantes, um sírio e uma norte-americana, nascido em São Francisco, Califórnia, no ano de 1955. Mas, não o criaram, foi dado para adoção. Aos 17 entrou na faculdade, mas os custos eram altos e em seis meses ele teve que deixar o curso. Sendo filho de família pobre conta que em certa ocasião chegou a recolher garrafas de Coca-Cola para ganhar algo que pudesse comprar comida. Lembra que adorava andar quilômetros pela cidade todo domingo à noite para ter uma boa refeição no templo hare-krishna. Estudou caligrafia e a arte da tipografia por puro prazer.
Sujeito determinado, em 1974 estava trabalhando na Atari, no ramo de jogos eletrônicos. Dois anos depois, com uma dupla de parceiros, decidiram fazer um negócio próprio. Fundaram a Apple Inc. Em 1984, após algumas produções, lançaram o computador Macintosh, que se tornou grande sucesso, sendo o primeiro computador pessoal com mouse feito em grande escala. Em seguida, desenvolveu a editoração eletrônica, lançando o programa PageMaker. E os avanços não pararam mais. Sua empresa foi então faturando ao longo do tempo um status especial no mundo da informática ao lançar produtos como o tocador de música iPod em 2001, o telefone celular iPhone em 2007 e em 2010 o tablet iPad. Itens que passaram a ser objeto de desejo de muita gente e se tornaram símbolos de tecnologia e de design. Em 2011 foi a vez do iCloud, uma ‘nuvem’ de armazenamento para guardar textos de e-mail, documentos, imagens e etc.
No meio desse percurso, no ano de 1985, por desavenças com os parceiros de empresa, ele chegou a deixar a Apple e o ‘Vale do Silício’. Porém, não caiu no ostracismo. Sempre empreendendo montou a NeXT, para desenvolver softwares e também tornou-se um dos fundadores da Pixar Animation Studios, produtora de filmes, realizando películas de grande bilheteria como “Carros”, “Procurando Nemo” e “Toy Story”. Em 1996, retornou à ‘maçã’ e as ações da companhia tiveram boa projeção no mercado. Isto aqueceu a disputa com outra gigante do setor, a Microsoft de Bill Gates. Sob sua gestão a companhia foi então responsável por inovações nas áreas de música, telefonia celular e computadores. Os equipamentos com prefixo “i”, cuja pronúncia em inglês significa ‘eu’, tornaram-se grande ameaça para os concorrentes, estimulando os saltos na tecnologia. Suas palestras, marcadas pela presença ‘clean’, vestido de jeans e camisa preta, atraiam grande atenção, ajudando a formar uma imagem ‘descolada’. Ele foi extremamente criativo e visionário. As invenções facilitaram a vida de muita gente e abriram caminhos fascinantes, cujos destinos são absolutamente desconhecidos em termos de possibilidades. E sua dica é muito clara, conforme conferência na Universidade de Stanford: a única maneira de ficar realmente satisfeito é fazer o que você acredita ser um ótimo trabalho. E a única maneira de fazer um excelente trabalho é amar o que você faz. Se você ainda não encontrou o que é, continue procurando. Não sossegue. Siga seu coração e continue até achar. A Apple vale hoje por volta de US$ 350 bilhões. Por volta de 2004 foi identificada a doença que acabou por eliminá-lo. Seu gênio intuitivo e curioso fatalmente o coloca como mais uma grande personalidade no rol da história das invenções. Contudo, é interessante observar como sua imagem passou a ser veiculada e vendida, especialmente com sua morte.
Em geral, todas as revistas e jornais de grande circulação deram capa para o fato e as manchetes tinham termos que iam desde o óbvio ‘gênio’, passando por expressões do tipo ‘esse realmente era o cara’ e até ‘o homem que mudou o mundo’ ou ‘fundador de uma nova religião’. Steve Jobs teria, então, se feito sozinho como um milagre. O ‘self made man’ com tempero místico: nasceu pobre, se fez rico – o grande objetivo da cultura contemporânea, impregnada pelo ter, pelo consumir – e, com uma pitada zen, agonizou publicamente oferecendo artefatos almejados – ‘coisas que você não sabia que precisava’- que mobilizam dezenas de pessoas em filas plantadas horas a fio para serem as primeiras a adquirir as novidadeiras bênçãos no mercado. A publicitária constituição do mito. E, claro, de mais um produto a ser consumido, agora também em sua própria pessoa: roupas no seu estilo, livros, vídeos, hábitos etc. Um nirvana high-tech.
Apesar de não ter feito curso de nível superior, Steve Jobs jamais deixou de estudar e aprender com quem teve. Ele não foi protagonista de uma revelação divina. Trabalhou permanentemente envolvido com grandes engenheiros e técnicos, de quem recebeu ensinamentos e foi influenciado. Ele trocou idéias. Caso de seu parceiro Jonathan Ive, executivo e designer britânico que, é bom marcar, chegou a reclamar da postura de Jobs em palestras por não discorrer também sobre suas contribuições e de sua equipe. E Ive é um profissional competente, premiado por suas obras. Outra coisa: no livro “A Cabeça de Steve Jobs” escrito por Leander Kahney – editor da revista eletrônica Wired.com. – há um momento em que o empresário reafirma uma frase de Pablo Picasso: “nunca tivemos vergonha de roubar grandes idéias.”
Passar a mão em ótimas criações alheias sem dar crédito não é uma coisa muito ética, convenhamos, mas faz parte da história do capitalismo e de seus grandes nomes. E ele não se furtou a assumir o fato. Um valor bastante questionável. Aliás, Jobs lembra outro nome importante entre os ícones do sistema, o Sr. Henry Ford, também muito eficiente no que fazia, primando pela inovação em sua época, tanto que afirmou certa vez “se eu perguntasse a meus compradores o que eles queriam, teriam respondido que era um cavalo mais rápido”. Vendeu 15 milhões do seu ‘Ford Modelo T’. Ford era racista e circulava com capangas, todavia foi um habilidoso industrial e idolatrado construtor de um império automotivo. Jobs também foi muito bem remunerado por todas suas ações e ganhou muito poder. A revista Forbes o colocou entre os mais ricos dos EUA e calculou-se que, entre 2009 e 2010, houve um incremento de US$ 1 bilhão ao já acumulado anteriormente, mas não divulgado. Ao mesmo tempo, o jornal The New York Times publicou artigo comentando a ausência de envolvimento do empresário com campanhas humanitárias e filantrópicas. Amigos próximos diziam que ele “não tinha tempo de se envolver com isso”. Segundo documento da companhia, “seu legado são os produtos realizados e o amor pela sua família”.
A contribuição da empresa de Steve Jobs foi muito relevante para facilitar vários aspectos da vida quotidiana de milhões de pessoas, consumidores corporativos, famílias ou mesmo indivíduos. Contudo, não é justo deixar de valorizar a importância da educação, do esforço, da pesquisa e da edificação do conhecimento que não é patrimônio de um indivíduo isolado, um superman ou menos ainda um avatar, mas de muitos cérebros trabalhando, inúmeros anônimos que, contudo, contribuem com seu ‘tijolinho’ na construção em geral. Este esforço e capacidade de relação, de interação, não é magia e precisa ser destacado. No mais, os artifícios do capitalismo explicam por si os acúmulos e expansões fabulosas verificadas. O resto é fetiche para vender produto e encher mais o cofrinho dessa gente que perdeu a conta do quanto fatura nesse mundo rentável da computação e da realidade virtual. E mais: sem grana, não tem Apple de graça para seguidor algum dar uma mordidinha para experimentar. Nem na barraca do camelô da Sta. Ifigênia.  São Paulo, 14 de outubro de 2011.

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

2 comentários em “Steve Jobs, um novo avatar da mídia”

  1. Alcina Maria Batista

    Mais uma vez, como sempre, você nos apresenta um texto instigador para a reflexão… Neste, o “fenomeno” ,Steve Jobs,que entre outras coisas mencionadas, era adotivo…
    O que nos leva a pensar sobre a idéia equivocada e ainda amplamente disseminada que filho adotivo é sinônimo de problema….
    Um abraço
    Alcina

  2. Rebecca Schelesky

    Olá!

    Já não podemos dizer que a frase na letra musical de Belchior é contemporânea: “nossos ídolos não são mais os mesmos e as aparências andam um tanto maquiadas”. Encobrindo inclusive alguns outros que fazem trabalhos de extrema relevância, mas sem a construção de um arquétipo carismático sobre si.

    Gostei muito do artigo, muito importante que possamos conhecer e refletir sobre as histórias além das manchetes midiáticas.

    Meus parabéns por seu trabalho e pelo dia do Professor!

    Um abraço.

    Rebecca Schelesky

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