Declarações sobre conflito na Ucrânia não condicionam visita de Lula a Portugal – ministro

Ministros dos negócios estrangeiros de Portugal e do Brasil. Arquivo/Gov

Mundo Lusíada com Lusa

Nesta terça-feira, o chefe da diplomacia brasileira, Mauro Vieira, afirmou que as declarações do Presidente Lula da Silva sobre o conflito na Ucrânia não condicionam a visita a Portugal, defendendo que o Brasil “fala com os dois lados”.

“Não condicionam de forma alguma porque o Brasil fala com os dois lados. Ontem nós recebemos – eu recebi, numa visita bilateral – o ministro das Relações Exteriores da Rússia, o ministro Sergei Lavrov, e também eu já me reuni com o ministro [Dmytro] Kuleba, da Ucrânia”, começou por afirmar Mauro Vieira, questionado pela Lusa à margem da sua participação na VIII reunião ministerial da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (Zopacas), na ilha cabo-verdiana de São Vicente.

“O Presidente Lula já falou por telefone com o Presidente Zelensky, já falou por telefone com o Presidente Putin. E o Brasil é um país que quer a paz e quer promover a paz e fala com todos. Nós temos diálogo com todos os países”, disse ainda o ministro das Relações Exteriores do Brasil, que parte ao final do dia de Cabo Verde para Lisboa.

“Então, não interfere absolutamente nada”, acrescentou, sobre o impacto dessas declarações nas relações e na visita de Lula a Portugal, afirmando ainda que neste momento o chefe de Estado brasileiro não prevê qualquer deslocação à Ucrânia.

No regresso de uma visita à China no passado fim de semana, o Presidente do Brasil atribuiu aos Estados Unidos da América e à União Europeia a responsabilidade da escalada do conflito ao fornecerem armas à Ucrânia, o que gerou críticas por parte de Kiev, dos norte-americanos e europeus.

Lula da Silva defendeu no sábado que os Estados Unidos devem parar de “encorajar a guerra” na Ucrânia e a União Europeia deve “começar a falar de paz”.

O Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, realiza uma visita oficial a Portugal entre os próximos dias 22 e 25, estando prevista a realização da cimeira luso-brasileira e uma sessão de boas-vindas na Assembleia da República, na manhã do dia 25, o que motivou pedido de cancelamento da oposição.

Divergências

O primeiro-ministro português desdramatizou hoje as posições do Presidente brasileiro sobre a guerra na Ucrânia, contrapondo que as relações entre Portugal e Brasil sempre estiveram acima de diferenças na política externa e que entre irmãos também há divergências.

António Costa falava aos jornalistas, em Lisboa, depois de questionado sobre as críticas feitas pelo Presidente do Brasil, sobre a guerra na Ucrânia, e se pode perturbar a visita de Estado de quatro dias que Lula faz em Portugal a partir de sábado. O primeiro-ministro começou por assinalar que “o Brasil é independente há 200 anos” e que, por outro lado, “há 200 anos que Portugal desenvolve com o Brasil uma relação de fraterna amizade”.

“Essa relação de fraterna amizade com o Brasil fundamenta-se numa história comum, numa língua comum, em milhares de brasileiros que vivem em Portugal, milhares de portugueses que vivem no Brasil, na intensa relação comercial e política que existe entre uns e outros e no facto de fazermos parte da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Essa é uma realidade que tem existido ao longo de 200 anos, mesmo quando numa ocasião ou noutra tivemos posições radicalmente diversas seja em matéria de política externa, seja mesmo em política interna”, considerou o líder do executivo português.

Esta referência de António Costa à política interna destinou-se a realçar períodos históricos de em que Portugal e Brasil, por vezes em simultâneo, possuíram regimes autoritários.

“Felizmente, estamos numa fase em que somos democracia em ambos os lados do Atlântico. Em todos esses momentos Portugal e Brasil souberam sempre compreender que o nível das suas relações, a intensidade das suas relações, estão acima de qualquer divergência que possa existir – e elas são normais. Entre amigos também divergimos, entre irmãos também divergimos e entre Estados amigos e irmãos também há divergências. É normal”, sustentou.

Perante os jornalistas, o primeiro-ministro considerou que a posição portuguesa sobre a intervenção militar russa na Ucrânia “é inequívoca” desde as primeiras horas da invasão pelas tropas de Moscovo.

“Temos mantido e manteremos um suporte à Ucrânia do ponto de vista humanitário, financeiro, político e militar. A Ucrânia é vítima de uma violação brutal do direito internacional. Esta é a nossa posição e nós não a alteramos em função de posições distintas que outros países nossos amigos, com quem temos relações fraternas possam ter”, sustentou.

António Costa salientou depois o ponto referente à soberania de cada país, observando: “Tal como Portugal, Estado soberano, determina a sua política externa, outros países, Estados soberanos, determinam a sua política externa”.

“Portanto, sobre a Ucrânia não há qualquer dúvida, a nossa posição é conhecida e não coincide com a posição do Presidente Lula”, acrescentou.

Presidente

Na segunda-feira, o chefe de Estado português lembrou posições do Brasil na ONU sobre a guerra na Ucrânia até fevereiro, já com Lula Presidente, “ao lado de Portugal, da UE, dos EUA, da NATO, contra a Federação Russa”.

Em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa questionou se o Brasil mudou de posição, frisando que Portugal não mudou, mas desdramatizou desde já as divergências em matéria de política externa.

O Presidente da República argumentou que a visita de Estado de Lula a Portugal entre 22 e 25 de abril “não tem nada a ver com a posição sobre a Ucrânia, nem tem nada a ver com as polêmicas internas”, e rejeitou qualquer arrependimento pelo convite ao seu homólogo: “Não, não me arrependi de coisa nenhuma”.

Sobre a guerra iniciada com a invasão russa da Ucrânia em 24 de fevereiro do ano passado, Marcelo Rebelo de Sousa sustentou que “a posição brasileira até agora tem sido muito consistente” no quadro da Organização das Nações Unidas (ONU), com apenas uma abstenção, em abril de 2022, quando se votou a suspensão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos.

Recorrendo a um papel com as votações na ONU, o chefe de Estado referiu que o Brasil “votou a favor do não reconhecimento das regiões ocupadas da Ucrânia” e “voltou a votar, ainda no mandato do Presidente Bolsonaro, que a Rússia deve ser responsabilizada pelas violações”.

“E, já com o Presidente Lula, em fevereiro, pediu a retirada imediata das tropas russas da Ucrânia”, realçou, concluindo: “Ou seja, a posição brasileira nas Nações Unidas tem sido sempre a mesma: ao lado de Portugal, da União Europeia (UE), dos Estados Unidos da América (EUA), da NATO, contra a Federação Russa”.

Tendo em conta as declarações recentes de Lula, o chefe de Estado português afirmou que “se o Brasil mudar de posição em relação ao que foi a orientação de Bolsonaro e Lula, é uma escolha dele, e Portugal não tem nada a ver com isso, mantém a sua posição, e não estamos de acordo, ponto final parágrafo”.

Quanto a Portugal, defendeu que “a posição portuguesa não pode ser mais clara”, sem dúvidas de que “foi a Rússia que invadiu a Ucrânia, não foi a Ucrânia que invadiu a Rússia” e de que “a Ucrânia está a defender-se e a defender princípios de direito internacional e a carta das Nações Unidas”.

“E a NATO e a União Europeia estão a apoiar a Ucrânia, e Portugal está a apoiar a Ucrânia, não só em termos humanitários, políticos, diplomáticos, como em termos financeiros e militares. E vamos continuar. Disso não temos dúvidas nenhumas”, frisou.

Marcelo Rebelo de Sousa prometeu reiterar esta posição de Portugal perante Lula e todos os chefes de Estado que receber.

“Cada país tem a sua política externa. Se estivermos de acordo, melhor. Eu tenho a esperança de que estejamos de acordo. Veremos, e para isso é que servem as visitas, é para saber qual é a posição. Não estamos de acordo, não estamos de acordo”, acrescentou.

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