Por Prof. Dr. José Luis Arranz Gil
Nestes tempos históricos turbulentos em que estamos imersos, fala-se frequentemente de pessoas que não aceitam uma realidade, não obstante esta ser bastante evidente. Hoje, gostaria de escrever, neste artigo, umas breves palavras sobre uma classe especial de pessoas negacionistas: os negacionistas da fibromialgia.
Começarei, então, por recordar o ditado bíblico: “A PEDRA QUE OS ARQUITETOS REJEITARAM SERÁ A MINHA PEDRA ANGULAR.”, frase sábia que uso por analogia para expressar que “A doença que os médicos descartaram será o meu objetivo profissional” e constitui o meu trabalho e leimotiv académico.
Estou a tentar dizer que a fibromialgia ensinou-me muito, mas, não seria justo expressá-la desta forma porque a fibromialgia não existe a não ser a nível conceitual. Na realidade, o que há são pessoas (doentes ou pacientes) que sofrem e padecem de fibromialgia, pelo que o correto será dizer que foi através dessas pessoas que aprendi o que não está escrito em nenhum dos livros, artigos e publicações que nós, médicos, lemos e estudamos.
Um dos primeiros ensinamentos a retirar dos doentes com fibromialgia é poder diferenciar claramente a dor e o sofrimento, porque, embora estejamos habituados a saber muitas coisas sobre a dor, a sua origem, as suas formas, os seus tratamentos possíveis, os médicos (com exceção dos médicos especialistas em cuidados paliativos) sabem pouco ou nada sobre o sofrimento. Assim, para que possamos compreendê-lo, para cuidar dele, para o acompanhar, precisamos de uma sensibilidade muito especial, que não é adquirida nas faculdades e que nem todos os médicos, nem todas as pessoas possuem ou possuirão.
Os doentes relataram-me duas esferas de sofrimento, para além do sofrimento que já enfrentam devido à fibromialgia. A primeira, motivada pela incompreensão dos seus parceiros, familiares, amigos e sociedade em geral e, a segunda é a que eles qualificam como muito mais profunda e angustiante: a incompreensão e falta de sensibilidade para com o seu sofrimento por parte de alguns médicos (felizmente poucos), que deveriam compreender e tratar a doença de forma mais humana, ou seja, a incompreensão das pessoas negacionistas da fibromialgia.
É assim que muitos doentes me referem como um mantra, que muitas vezes ouvem por parte dos “discípulos de Galeno” frases, tais como: “A fibromialgia não existe”, “Isso é uma doença de loucas e preguiçosas que não querem trabalhar“, “Não tens nada, tudo o que te afeta é psicológico e está unicamente na tua cabeça” ,”Prepare-se bem, pinte os lábios e vá para a rua dar uma volta e tudo passará“, “Quando os médicos de família não sabem o que os pacientes têm, enviam-nos para nós, reumatologistas, com o diagnóstico de fibromialgia“, “O que quer que façamos consigo se a fibromialgia não tem cura? Tem de ter a ideia de que nunca vai curar-se“.
Ao ouvir pela boca dos doentes estas declarações pejorativas, expressas literalmente tal como as ouviram, tenho-me perguntado muitas vezes o que sentiriam as pessoas que pronunciam frases tão aberrantes se tivessem uma doença grave e alguém as sentenciasse com as mesmas frases e com o mesmo desprezo e falta de humanidade? O que sentiriam? O que lhes passaria pela cabeça?
Embora o conteúdo semântico das frases proferidas seja lamentável, ainda mais lamentável é o tom altivo, desdenhoso e humilhante com que são proferidas. Uma paciente disse-me: “Doutor, não me sinto ofendida pelas palavras, sinto-me ofendida e profundamente ferida pelo tom com que são proferidas“.
Sem dúvida que aqueles que pronunciam tais “profecias” violam o juramento Hipocrático, o código Deontológico Médico em vigor e a ética mais elementar (no sentido kantiano do termo) denotando, sobretudo, uma profunda e impiedosa falta de HUMANIDADE.
Pergunto-me se não haverá hoje provas científicas suficientes para saber que a fibromialgia é uma doença e, a título de exemplo, e sem qualquer limitação, vou fornecer aos mais céticos sobre a fibromialgia algumas informações com o objetivo de os fazer pensar e mudar a sua opinião em benefício das pessoas que sofrem, a saber:
1- A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1992, na Declaração de Copenhaga, reconheceu a enfermidade como uma entidade clínica chamada “Síndrome de Fibromialgia”, tendo sido classificada com o código M79.7 no manual internacional de classificação de doenças ICD-10. Se a OMS, que deve ser o nosso guia científico e a mais alta autoridade em saúde pública, reconheceu a doença desde 1992, quem são os Negacionistas da fibromialgia para ignorar e contradizer a OMS?
2- A Associação Internacional para o Estudo da Dor (a mais alta autoridade científica mundial em matéria de dor) reconheceu a fibromialgia em 1994 com o código X33.X8a. Se esta importante autoridade a reconheceu, quem são eles para negar e ignorar o que uma sociedade científica acreditada como esta reconhece?
3- Nas pesquisas bibliográficas que podem ser realizadas no Medline e noutras bases de dados médico-científicos, encontram-se milhares e milhares de artigos que falam de trabalhos de investigação científica. Se esta é uma realidade objetiva, quem pode negá-la?
4- Existem centenas de Teses de Doutoramento realizadas sobre a fibromialgia, (incluindo a que realizou o autor destas linhas, na Universidade de Alcalá de Henares, com a classificação de Excelente com Louvor – “cum laude”) e são cada vez mais os estudantes que escrevem as suas teses de doutoramento sobre o assunto. Quem são eles para ignorar esta realidade?
5- A Sociedade Espanhola de Médicos de Clínica Geral e Familiar (SEMEG) apresenta no seu sítio web dados interessantes sobre a fibromialgia, tais como o facto de representar 5 a 8% das consultas de cuidados de saúde primários e entre 10% a 20% das consultas de reumatologia. A fibromialgia está a registar um crescimento de 27.196 novos casos por ano em Espanha, com uma taxa de incidência de 5,4 novos casos por mil habitantes por ano. Se a Sociedade, a que os médicos de família estão vinculados, reconhece e atesta a fibromialgia, porque é que ainda há pessoas (incluindo profissionais) que não acreditam nos dados objetivos fornecidos pela SEMEG?
Creio que, com estas breves, mas bem documentadas, razões, ficou claramente demonstrado que não há razão para negar a fibromialgia. A verdade é o que acabo de demonstrar, mas sempre me perguntei por que razão pessoas bem qualificados e inteligentes, com muitos anos de experiência profissional, continuam a negá-la?
A resposta a esta questão psicológica ou, se preferirem, filosófica, que acabo de colocar, não vem do pensamento de cientistas ou filósofos, vem da mão de um poeta, o poeta mais profundo juntamente com Unamuno que tivemos em Espanha, a resposta é dada por António Machado quando afirma que:
“O ESPANHOL DESPREZA O QUANTO IGNORA “
Esta explicação poderia ser alargada ao inglês, português, francês, alemão, italiano, suíço ……. de modo que, parafraseando António Machado, ouso dizer que o SER HUMANO DESPREZA O QUANTO IGNORA.
Em suma, poderíamos concluir que se trata de ignorância, ou, para ser mais diplomático, direi que se trata de falta de conhecimento, formação, estudo ou atualização científica. É preciso estudar mais.
Para terminar esta breve explanação sobre a atitude de todos os que não aceitam a fibromialgia, reitero o que Albert Einstein, vencedor do Prémio Nobel da Física, escreveu sabiamente:
“Tudo o que o homem ignora, não existe para ele, é por isso que o universo de cada um se resume à dimensão do seu conhecimento”.
Prof. Dr. José Luis Arranz Gil
Doutor em Medicina e Cirurgia pela Universidade de Alcalá de Henares – Espanha
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade da Beira Interior (UBI) – Portugal
Diretor e Fundador da Unidade de Fibromialgia e Síndrome de Sensibilidade Central e Dor Crónica
E-mail: [email protected]