Presidente pede “passos de efetiva justiça e igualdade” para evitar retrocessos democráticos

Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (E), acompanhado pelo professor Guilherme de Oliveira Martins (C), e pelo presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva (D), durante a inauguração da exposição “A primeira Constituição de Portugal – 1822” na Assembleia da República, em Lisboa, 23 de setembro de 2022. JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Da redação com Lusa

Neste dia 23, o Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, alertou ser necessários “passos de efetiva justiça e igualdade” por parte dos protagonistas políticos para evitar retrocessos democráticos.

“Ou a realidade do dia a dia dos cidadãos, das pessoas, é feita de passos de progresso e de justiça, mesmo se com altos e baixos em especial em tempos de pandemias, de guerras ou de crises econômicas, passos de efetiva justiça e igualdade, ou liberdade e democracia não avançam, recuam”, afirmou.

O chefe de Estado discursava na Assembleia da República, na sessão solene evocativa da aprovação da Constituição de 1822.

“Ou os poderes públicos, mais os principais protagonistas políticos, econômicos e sociais, dão um constante exemplo de vida, de humildade, de proximidade, de responsabilidade, de solidariedade, ou liberdade e democracia não avançam, recuam”, alertou.

E considerou que “esta é a grande lição dos 200 anos do constitucionalismo em Portugal”, salientando que “mais do que celebrar por celebrar o que se viveu há dois séculos, o que efetivamente cumpre é não repetir os erros, as omissões, os atrasos, os retrocessos do passado e reter neles aquilo que foi portador de esperança e de futuro”.

“Queremos mais e melhor liberdade e democracia? Então que todos nós, a começar em todos nós eleitos do povo sem exceção, tentemos fazer de cada dia um dia de avanço, um dia de inspiração pessoal e nacional, para que o povo nosso eleitor nunca caia na tentação de preferir a ditadura à democracia, o autoritarismo à liberdade, os messianismos ou os sebastianismos à livre e soberana vontade popular”, defendeu.

Falando perante deputados e membros do Governo, o Presidente da República considerou que “a liberdade, tal como a democracia, ou é construída todos os dias ou é enfraquecida todos os dias, e não é suficiente contra isso bramar com palavras, com proibições, com diabolizações, com exclusões”, advertindo: “palavras são importantes mas só palavras leva-as o vento”.

“Queremos comemorar 200 anos da Constituição de 1822 e do constitucionalismo em Portugal, então que nós todos juntemos a este sessão solene, dia após dia, gestos, decisões, momentos não solenes, mas tão ou mais importantes do que os momentos solenes, genuínos, corajosos, de liberdade e democracia, toda ela, a política, a económica, a social, a cultural, a ambiental, sempre a pensar em todos, mas todos, os portugueses, ou seja, a pensar em Portugal”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.

No seu discurso nesta sessão inserida nas comemorações do bicentenário do constitucionalismo, o Presidente alertou que “haver uma Constituição escrita, por si só, nada garante”, uma vez que a lei fundamental “pode ser antiliberal e antidemocrática, e encobrir um poder absoluto, por porque ela própria para isso expressamente aponta ou porque simular ser o que não é, na chamada constituição semântica, permitindo que a sua aplicação subverta princípios fundamentais que alegadamente se propunha salvaguardar”.

“Assim foi com a Constituição da ditadura até 1974”, indicou.

Fazendo um paralelo com o passado, o Presidente afirmou que “é impossível construir a liberdade sem quem a defenda”, e referiu que é “uma ilusão pensar-se que não podem surgir novos tropismos antiliberais ou antidemocráticos, que uns chamarão democráticos iliberais, ou mesmo autoritários, e por isso não liberais”.

“As crises internas e externas com projeção interna, as obsolescências, as fragilidades, as incompetências, as injustiças, as pobrezas, as desigualdades, as velhas renovadas ou acalentadas e as novas, alimentam saudosismos, mas sobretudo alimentam apelos de caminhos os mais diversos em que liberdade e democracia podem vir a valer menos do que temor, securitarismo, autoritarismo”, elencou.

Democratas de Abril politicamente liberais

O presidente da Assembleia da República defendeu hoje que os democratas de Abril são politicamente liberais e que a revolução vintista e a Constituição de 1822 se inscrevem na corrente pela liberdade, contra a intolerância e autocracia.

Augusto Santos Silva proferiu discurso na sessão solene comemorativa do bicentenário da aprovação da Constituição de 1822, antes da intervenção de encerramento a cargo do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

O ex-ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros considerou que a atual democracia portuguesa deve ao constitucionalismo liberal “a ideia de soberania nacional, o princípio representativo, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, a igualdade perante a lei, a emergência de um parlamento com poderes próprios e legitimação eleitoral, o direito de petição, em suma, a passagem de súbditos a cidadãos”.

A Constituição de 1822, na perspectiva de Augusto Santos Silva, “marca uma formidável rutura com o Antigo Regime e o início de uma conceção liberal da comunidade política que é, em todos estes aspetos”, a atual.

“Nesse sentido, sim, nós, os democratas da Constituição de Abril, somos politicamente liberais; a nossa democracia é uma democracia liberal; o liberalismo político oitocentista está na matriz do que hoje somos, como regime representativo, pluralista, ancorado na liberdade e nos direitos civis”, sustentou.

Depois, o presidente da Assembleia da República fez uma análise estrutural, de longa duração, da evolução da História de Portugal.

“A Revolução Liberal de 1820 e a Constituição de 1822 inscrevem-se, de forma particularmente evidente, na corrente da História portuguesa que combateu pela liberdade contra a intolerância, pela razão contra o fanatismo, pela igualdade contra o regime de privilégios e exclusões, pela representação contra a autocracia. Uma corrente que nasceu antes e existiu depois das Cortes Constituintes, que foi perseguida e derrotada nos vários momentos de reação absolutista, que venceu a guerra civil e estabeleceu as bases do regime liberal”, apontou o ex-ministro socialista e professor universitário.

Augusto Santos Silva advogou que o liberalismo político se “bateu pela consideração de Portugal na balança da Europa – como escreveu [Almeida] Garrett -, pela instrução e a formação cívica, pela afirmação de um espaço público, pela modernização econômica e social, pelos direitos pessoais”.

“Essa corrente percorreu todo o século XIX e, no século XX, sofreu a pulsão antiliberal e autoritária do Estado Novo. Essa corrente só veio a afirmar-se plena e duradouramente com a democracia. Por isso, sim, Fernandes Tomás, Ferreira Borges e Borges Carneiro, como Almeida Garrett, Mouzinho da Silveira, Passos Manuel, Sá da Bandeira e tantos outros, sim, são nossos. Com eles partilhamos o amor à liberdade, a aversão a escolásticas e ortodoxias, o combate a censuras e inquisições, a recusa de privilégios e discriminações, a crença no progresso, a rejeição da submissão e o compromisso com a cidadania”, declarou o presidente da Assembleia da República, recebendo muitas palmas.

No seu discurso, Augusto Santos Silva assinalou, porém, que a democracia de Abril foi mais longe do que o liberalismo de 1822 – um ponto em que destacou como principais diferenças as dimensões social e de igualdade direitos políticos inerentes ao atual regime.

“Abolimos o que na monarquia remetia para formas antigas de legitimidade e exercício do poder, estendemos a legitimidade eleitoral a todos os órgãos políticos de soberania, desenvolvemos e clarificámos a separação de poderes, estendemos a liberdade ao direito de reunião e associação, evoluímos na igualdade civil, avançámos na laicidade, valorizamos a descentralização política, robustecemos as garantias jurídicas”, disse.

Também de acordo com o presidente do parlamento, o atual regime seguiu “por caminhos que o liberalismo não quis trilhar”.

“Fomos pelo caminho da democracia política propriamente dita, baseada, como diz a Constituição de 1976, no sufrágio universal, igual, direto, secreto e periódico, na não discriminação e na plena liberdade religiosa. E fomos pelo caminho da democracia econômica, social e cultural, honrando o trabalho e os trabalhadores, almejando a igualdade de oportunidades, a solidariedade e a justiça, quer dizer, escolhendo a democracia comprometida com a redução das desigualdades, a coesão social e o bem-estar”, especificou.

Na sua intervenção, Augusto Santos Silva elogiou “o impulso” dado pelo seu antecessor no cargo, Ferro Rodrigues, para as comemorações da Constituição de 1822, assim como a coordenação do programa pelo antigo ministro Guilherme Oliveira Martins.

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