Hoje, por todo o país, a população aproveita um belo feriado nacional. E a data acontece para celebrarmos o Dia da Independência. Pensemos sobre a trajetória do Brasil desde aquele momento do “Terra à vista!” até aqui. Há muito ou pouco que se comemorar?
O Brasil inicia sua história oficial com uma aventura marítima realizada pela esquadra liderada pelo almirante Pedro Alvares Cabral, que partiu de Lisboa no dia 8 de março de 1500, com 1.500 homens, entre eles navegadores experientes como Bartolomeu Dias e Nicolau Coelho, além de cientistas, padres, soldados e comerciantes. Cerca de duas semanas depois o grupo perdeu um de seus barcos e, conforme dizem os documentos, as tormentas acabaram por mudar a rota prevista originalmente e a esquadra, então, atingiu a costa brasileira em 22 de abril, tempos de Páscoa. Os lusos eram exploradores tarimbados. Já tinham noção da existência de terras a oeste de Cabo Verde. De qualquer forma, então, devido aos ventos ou mesmo pela quase certeza de algo, arriscaram, chegaram e tomaram posse das terras. Solo fértil, água e sol. Cabral seguiu depois seu itinerário inicial previsto à Índia. Não voltou mais àquele lugar paradisíaco que deparara com os desvios. Porém, desde quando partiu, nunca mais as coisas foram as mesmas.
A terra encontrada não era desabitada. Pelo contrário. Havia muita gente por aqui. Não existe um cálculo preciso para se saber um número correto de habitantes. Mas, de acordo com o IBGE, estima-se entre um milhão e cinco milhões o número de índios que por aqui viviam. Outra estimativa é a de que esses nativos estavam distribuídos em 1.400 tribos, que falavam 1.300 línguas diferentes. Era como se fosse uma Europa tropical. Cheia de povos, de grupos distintos. Muita gente. Assim, fica claro que o encontro entre os europeus e os nativos resultou em uma nova expressão cultural, diferente absolutamente de tudo o que existia até o momento. E essa união deu-se com a instalação do processo colonial português.
Os lusos já vinham avançando suas conquistas pelo mundo, obtendo domínios no continente africano e também na Ásia, além das ilhas Açores e Madeira. Nos primeiros trinta anos se limitaram a realizar a extração do pau-brasil no longo litoral brasileiro. Depois, sob a pressão de outras nações européias que também desejavam explorar o Novo Mundo e passaram a usar de pirataria, a coroa portuguesa foi obrigada a intensificar sua presença. Quer dizer, somente em 1532 é que acontece de fato o princípio da colonização, com Martim Afonso de Souza, fundador da Vila de São Vicente. Decidiu-se por um sistema de distribuição organizado por meio da divisão do território. Essa divisão resultaria em capitanias hereditárias, grande extensões de terra que eram doadas para nobres, burocratas ou comerciantes influentes dentro da Corte. Mas, não funcionou a contento. Criou-se, então, em 1549, o chamado governo-geral, um líder nomeado pelo rei que deveria tomar medidas em favor da criação de vilas, a exploração econômica das terras e o combate aos contrabandistas. O primeiro governador geral foi Tomé de Souza. Criou-se um corpo de funcionários e a primeira capital para abrigar o governo-geral, a cidade de São Salvador, Bahia.
Foi o início efetivo de quatro séculos de exploração dos recursos locais que eram voltados completamente aos interesses da Metrópole. A esta condição chamamos de Colônia de Exploração, diferente daquela dita como Colônia de Povoamento onde, em tese, há um aprimoramento da estrutura básica dos moradores e de sua subsistência, embora para muitos estudiosos esses termos sejam irreais, afinal, colonizar é explorar outro local que não o seu. Desta forma, o conceito de ‘colônia de povoamento’ foi uma manobra, um apelo ideológico criado pelos Europeus, para amenizar o próprio sentido da invasão que realizavam, a exploração sobre outras nações.
A crise do sistema colonial português se deu dentro de um contexto de alteração do próprio modo de produção capitalista, que vinha se desenvolvendo desde a decadência do modo feudal, por volta dos séculos XIV e XV. Os interesses da burguesia, dos comerciantes, eram cada vez mais pela ampliação da produção e do mercado. Entre os séculos XVIII e XIX a Inglaterra promoveu a Revolução Industrial onde conquistou o aumento da oferta de mercadorias, valorizou a capacidade de empreender e a liberdade do indivíduo, calcada em alta exploração operária. A ciência e a tecnologia foram destacadas. Não obstante, a colonização brasileira estava sustentada sobre a mão de obra escrava africana, por muito tempo uma fonte de grande riqueza para os mercadores, e na produção agrária exportadora. Segundo Boris Fausto, em sua “História do Brasil”, entre 1550 e 1855 entraram pelos portos brasileiros cerca de 4 milhões de escravos, na sua grande maioria jovens do sexo masculino. Outros historiadores, como Caio Prado Jr., citam 7 milhões. Pedro Calmon e Pandiá Calógeras calculam algo entre 8 e 13 milhões. Mundos de gente para serem gastos, usados como bens de capital na produção e serviço. Não tínhamos fábricas e impulsos tecnológicos arrojados.
Então, com a nova ideologia do Iluminismo e do Liberalismo europeus, outras políticas passam a ser pensadas também no Brasil. Há uma crise no chamado Antigo Regime. Além da industrialização acontecem a Independência dos EUA e a Revolução Francesa. Todos esses fatos acabam também por repercutir no chamado Pacto Colonial entre Brasil e Portugal. Como explica o prof. Fernando Novaes, o processo de colonização da América, onde o Brasil está inserido, é parte da expansão econômica mercantil européia e ligado ao processo de formação do capitalismo. Os acontecimentos no Velho Mundo e América do Norte são então elementos de rompimento com o Pacto Colonial e o Antigo Regime. Inconfidências e revoltas coloniais vão resultar assim também na independência brasileira.
Após o brado às margens do Ipiranga em setembro de 1822 funções burocráticas e políticas ganharam nova relevância na formação do Estado nacional e seu vasto território imperial. As elites que tomaram o poder com a independência compunham-se de fazendeiros, comerciantes e membros de sua clientela, ligados ao comércio importador e exportador, interessados na manutenção das estruturas tradicionais de produção, cujas bases eram o sistema escravocrata e o latifúndio. Teses progressistas foram sufocadas, mantendo uma ideologia conservadora e antidemocrática. Somente em 1888 aconteceu a libertação dos negros, com estimulo à imigração estrangeira para o trabalho assalariado, e no ano seguinte proclamou-se a República. A República Velha trouxe o poder das oligarquias cafeeiras – grande destaque de nossa economia desde o II Reinado – e repressão ao sistema fabril. Novamente foram os ventos fortes do exterior, a quem permanentemente estávamos dedicados, que obrigaram as alterações em nossas estruturas.
Com a quebra da Bolsa de Nova York e a depressão internacional, nossa agricultura ficou sem consumidores, a economia parou e tínhamos então que nos virar para produzirmos nossos próprios bens e serviços. A crise interna trouxe ao poder um grupo de insatisfeitos com a política existente, levando Getulio Vargas ao governo. Assim, o Brasil pode iniciar efetivamente seu processo de industrialização, embora sob o jugo de um regime autoritário e na órbita da política estadunidense.
O país foi, portanto, sendo construído e rumando a alguma modernização. Teve, ao longo do século XX, pouco tempo de liberdade. Viveu longos períodos de ditadura, com governos repressivos, que não deram espaço para maiores conquistas sociais e experiências democráticas. Não aconteceu no país um Estado do Bem Estar Social como pode ser conhecido entre os europeus. Nossa história é uma sucessão de comandos que não pensaram – ou, se pensaram foram demovidos de suas intenções – em trazer à luz os interesses populares, direitos ampliados e justiça para a maioria.
O Brasil entrou, então, no século XXI, o terceiro milênio, tempos de globalização capitalista, de acordo com a PNAD/ 2002, com 170 milhões de habitantes; 70 anos como esperança de vida; 30% de taxa mortalidade infantil; 79 milhões de ocupados, mas apenas 29% de trabalho formal; 12,6% de trabalhadores entre 5 e 17 anos de idade e média de 7 anos de estudos por habitante. O desemprego variou de 1992-2001 com uma taxa média entre 6 e 9%, mas sempre mulheres e negros, em todas as faixas etárias e escolaridades, tiveram mais elevadas as taxas que homens e brancos. Por hora trabalhada as mulheres recebiam 21% a menos que os homens em média. E os trabalhadores negros, de ambos os sexos, recebiam somente 50% do que os brancos, homens e mulheres. E, se separarmos as mulheres negras e confrontarmos com os homens brancos, esta diferença ampliava-se para 61% a menos que os homens brancos. Na virada do século 2% dos negros estavam na faculdade. 78,3% dos ocupados recebiam 3 salários mínimos e os 10% mais ricos recebiam uma renda 58,7 vezes superior à renda dos 10% mais pobres. Em 2000 o IBGE apontava 47% municípios e 67% domicílios sem rede de esgoto. O país mantinha um grande percentual de commodities na sua pauta de exportação, uma boa proporção no grupo de média densidade tecnológica, caso de automóveis e indústria de semi-duráveis, como ‘linha branca’, e ainda pequena participação em alta tecnologia, como o ramo de aviação e de telecomunicações. Um setor externo calcado na oferta de produtos de baixo valor agregado 180 anos depois ter deixado de ser colônia.
Nascemos cativos, oprimidos – apenas para lembrar o início de tudo: a original população indígena sobrevive hoje como 0,42% da demografia do país, isto é, 817 mil pessoas (IBGE2010) -, condicionados a servir os outros, e estas feridas ainda não foram por completo extintas. A elevação do grau de escolaridade e renda, o fim dos altos níveis de insalubridade, a maior participação popular nas decisões locais e regionais, e uma maior compensação entre áreas como o sudeste e o nordeste, moderando migrações e equilibrando investimentos, ainda são metas a serem alcançadas. Conquistas foram realizadas, sim, o mundo nos olha de forma mais diferente e participativa, contudo, o caminho para um país menos desigual permanece longo e cheio de interesses particulares e perigos para essa brava gente brasileira dar com força e verdade o seu autêntico brado do Ipiranga. A independência deve ser uma realização diária. Como escreveu o antropólogo e professor Darcy Ribeiro em “O Povo Brasileiro” (1995) “O Brasil é já a maior das nações neolatinas, pela magnitude populacional, e começa a sê-lo também por sua criatividade artística e cultural. Precisa agora sê-lo no domínio da tecnologia da futura civilização, para se fazer uma potência econômica, de progresso auto-sustentado. Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra.” São Paulo, 2 de setembro de 2011.
Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.