Escreveu Camilo que, para haver literatura não é necessário descrever tetas de mulher, referindo-se a certa escrita de realistas do seu tempo.
Sem cairmos em puritanismo exacerbado, muitas vezes hipócrita, temos que dar razão ao escritor, mestre da literatura portuguesa, já que a esta, a meu ver, cabe o dever de espertar sentimentos sadios e belos.
Em regra, o escritor, ao pintar cenas eróticas ou episódios escabrosos, pretende acordar sentimentos baixos, e a inata curiosidade do público, no propósito de obter editor, e aumentar vendas; olvidando que colabora na deformação do carácter, e degradações de mentes, tornando-se responsável pela perversão e decadência da sociedade.
Em carta datada a 28 de Abril de 1972, endereçada ao autor da secção “ Apontamentos”, que se publicava no matutino “ O Comércio do Porto”, declara Maria Henrique Osswald:
“ A obra literária tem de formar a inteligência e o sentimento, alimentar o cérebro e o coração; apurar o gosto estético e formar o carácter. (…) Há meses um conhecido editor recusou um romance meu; de envolta com muitos elogios, dizia que tudo era demasiado branco para o nosso tempo. Publicaria imediatamente, se consentisse acrescentar algumas páginas ao gosto do público de hoje.”
Eça, considerado, e com razão, estilista genial, também apimentou a prosa, esquecendo que imagens torpes, em estilo sublime, são mais perniciosas que escritos de aprendiz de escritor, falho de imaginação.
Todavia, Eça, evitava que a filha Maria, tomasse conhecimento do enredo das suas obras; só muitos anos, após sua morte, é já de avançada idade, é que cevou a natural curiosidade de as ler.
Cai bem aqui, a cena ocorrida entre a neta de Eça de Queiroz, a Senhora Dona Maria das Dores Eça de Queiroz de Mello e a sogra, a Senhora Marquesa do Ficalho.
Estando a neta do escritor enfadada, resolveu ir à biblioteca buscar livro para se distrair. Deparou com obras do avô, que não conhecia, e acomodando-se no sofá, iniciou a leitura. Surge inesperadamente a sogra, e verificando o que a nora estava a ler, arranca-lhe o livro das mãos, e de semblante carregado repreende-a acerbamento:
– Isso não é leitura própria para menina honesta!
Já que estou a falar de Eça, lembrei-me da missiva que Teodoro recebeu do General Camilloff, onde este solicita que lhe envie, na mala diplomata “ Mademoiselle de Maupin”, de Gautier – “O Mandarim”. Ora dias antes de falecer, Gautier, pedira a uma filha, que não lesse a obra, por ser indigna.
Tanto Gautier, como Eça, sabiam que escreviam para filhos de outros, e conheciam perfeitamente, os malefícios das obras literárias.
Livros escritos no propósito de lucro fácil, são como guiões de algumas novelas de TV, salpicadas de imagens sórdidas e maus exemplos, chocando e plasmando mentes, ao desejo de forças obscuras, e pensando exclusivamente, nas audiências.
Em muitos casos, os autores de obras nefastas arrependem-se, quando a morte começa a rondar. Surgem, então, desejos de retirar livros e filmes do mercado, mas são desejos extemporâneos. Foi o que aconteceu a Guerra Junqueiro, que à hora da Morte suplicou a presença do Padre Cruz, sacerdote canonizado pelo povo.
Nas “ Prosas Dispersas”, em nota a artigo, o poeta declara: (…) Eu tenho sido, devo declará-lo, muito injusto com a Igreja. “A Velhice do Padre Eterno” é um livro da mocidade. Não o escreveria já aos quarenta anos(…). Contem belas coisas, é um livro mau, e muitas vezes abominável.”
Como Junqueiro, muitos artistas arrependem-se das obras que criaram e dos escândalos que provocaram, para alcançarem lucros e fama imediata, à custa do desregramento moral e psíquico de muitos, e perversão de almas, esquecendo que se pode criar obras de elevado valor, sem explorar instintos baixos.
Deve-se dar a lume obras que não nos envergonhem na velhice, e nossos filhos e filhas possam lê-las. Se assim se fizer não haverá arrependimento, nem receios da equidade divina.
Humberto Pinho da Silva
De Portugal
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