Mundo Lusíada com Lusa
O Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, devolveu hoje à Assembleia da República, sem promulgação, o decreto sobre a morte medicamente assistida, envolvendo a eutanásia e o suicídio medicamente assistido.
Em nota, a Presidência da República adiantou que o presidente devolveu, “sem promulgação, o Decreto da Assembleia da República n.º 199/XIV, de 5 de novembro de 2021, que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal, nos termos da nota e da mensagem infra”.
Ao devolver o diploma, Marcelo Rebelo de Sousa formulou duas solicitações. O Presidente da República solicita que seja clarificado “o que parecem ser contradições no diploma quanto a uma das causas do recurso à morte medicamente assistida”.
“O decreto mantém, numa norma, a exigência de “doença fatal” para a permissão de antecipação da morte, que vinha da primeira versão do diploma. Mas, alarga-a, numa outra norma, a “doença incurável” mesmo se não fatal, e, noutra ainda, a “doença grave”. O Presidente da República pede que a Assembleia da República clarifique se é exigível “doença fatal”, se só “incurável”, se apenas “grave”, escreve.
O chefe de Estado solicita também que se deixe de “ser exigível a ‘doença fatal’”.
“O Presidente da República pede que a Assembleia da República repondere a alteração verificada, em cerca de nove meses, entre a primeira versão do diploma e a versão atual, correspondendo a uma mudança considerável de ponderação dos valores da vida e da livre autodeterminação, no contexto da sociedade portuguesa”, refere.
Falha grave
O Conselho Nacional de Ética considerou “lamentável” e uma “falha gravíssima” não ter sido ouvido na fase final da elaboração do diploma sobre a eutanásia, que foi devolvido pelo Presidente da República ao parlamento.
“O documento que foi votado pelos senhores deputados e que foi agora vetado pelo senhor Presidente não foi um documento que tivesse passado pelo Conselho Nacional de Ética [para as Ciências da Vida (CNECV)], que é um órgão competente precisamente para apreciar este tipo de matérias”, disse à agência Lusa a presidente deste órgão.
Para Maria do Céu Patrão Neves, o contributo do CNECV nesta matéria “certamente permitiria” aos deputados apresentar “um documento mais robusto, mais sólido e que, nesse sentido, poderia eventualmente não ter o veto do senhor Presidente”.
Por isso, defendeu, o Conselho Nacional de Ética devia poder pronunciar-se em “tempo útil” sobre estas matérias, oferecendo o seu contributo para “uma maior qualidade legislativa nestas questões tão controversas e sensíveis da sociedade portuguesa”, mas, lamentou, “isso não aconteceu”.
Recordou ainda que o CNECV, criado em 1990, foi “um dos primeiros do mundo a ser estabelecido com caráter permanente” para se pronunciar sobre estas matérias.
“Nós achamos por bem enviar uma carta ao senhor Presidente da República e também ao senhor presidente da Assembleia da República, manifestando aquilo que é o nosso incômodo e a nossa inquietude perante o modo como os processos estão a ser conduzidos”, revelou Maria do Céu Patrão Neves.
Já a deputada socialista Isabel Moreira considerou que o Presidente “utilizou pretextos” para “fazer aquilo que era a sua vontade” ao vetar o decreto sobre a eutanásia, defendendo que as suas dúvidas poderiam ter sido esclarecidas pelo Tribunal Constitucional.
“Eu penso que o PR utilizou basicamente pretextos que não impediriam uma boa interpretação da lei para fazer aquilo que era a sua vontade, e a sua vontade – que é uma vontade que eu entendo que é pessoal – é de impedir que esta lei seja aprovada”, referiu Isabel Moreira em declarações à agência Lusa.
A deputada indicou que, no seu entender, a “forma como o veto está formulado na sua fundamentação” cria uma “situação atípica”, dado que, apesar de ser um “veto político”, está “recheado de preocupações jurídicas que usualmente seriam apresentadas junto do Tribunal Constitucional”.
Isabel Moreira salientou assim que a “oposição pessoal” de Marcelo Rebelo de Sousa irá merecer uma “reflexão” da parte do PS, “tendo em conta que isto é uma lei que teve já por duas vezes a aprovação esmagadora do povo português representado na Assembleia da República, por mais de maioria absoluta em efetividade de funções”.