Ministro português diz que “é tempo” de parar com combustíveis fósseis

Da Redação com Lusa

Nesta segunda-feira, o ministro português do Ambiente defendeu que é tempo de parar de investir na produção de combustíveis fósseis, alertando que construir o futuro com instrumentos do passado vai resultar no desaparecimento da espécie humana do planeta.

João Matos Fernandes comentava o sexto relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), divulgado hoje, em que os cientistas preveem que a temperatura global subirá 2,7 graus Celsius em 2100, se se mantiver o atual ritmo de emissões de gases com efeito de estufa.

Para o governante, este relatório tem “uma grande novidade” que é o ritmo a que o aquecimento global está a acontecer e as consequências que está a provocar.

“Sendo verdade, e é verdade, ele [relatório] vem no tempo certo porque estamos a três meses da Conferência do Clima”, seis anos depois da cimeira de Paris, “e é o tempo de o Mundo assumir o compromisso que a Europa já assumiu e no qual Portugal liderou que é o de sermos neutros em carbono em 2050”, salientou.

E, para o ministro, não há alternativa: “eu direi que mais do que salvar o planeta é salvar-nos a nós próprios como espécie. Nós de fato não conseguimos suportar este aumento de temperatura e aquilo que ele provoca dia a dia e com os fenômenos extremos que está também a condicionar”.

E, por isso, defendeu, “a economia tem de crescer de forma completamente diferente e com investimentos que sejam focados na sustentabilidade com a certeza de que esses investimentos vão provocar, se calhar, ainda mais riqueza do que os investimentos tradicionais e emprego mais qualificado”.

“Este é o tempo de parar, de explorar e de continuar a investir na produção de combustíveis fósseis”, advogou o ministro, lembrando o caminho que o país tem feito neste sentido.

“Portugal tem feito um caminho que, obviamente, tem que ser sempre acelerado, que não está isento obviamente de falhas, mas não só no compromisso, fomos os primeiros do mundo a dizer vamos ser neutros em carbono em 2050, como nos investimentos que são consequência desse compromisso”, salientou.

A este propósito, lembrou que 38% dos investimentos previstos no Plano de Recuperação e Resiliência são dedicados à ação climática, e recordou o que país tem feito para a redução dos gases que produzem efeito estufa, como a compra de 700 autocarros de “elevada performance ambiental”, os investimentos feitos nos Metro de Lisboa e Porto e a adaptação no litoral, nos mil quilômetros de rios e de ribeiras recuperados apenas com soluções de base natural.

Recordou ainda o apoio que está a ser dado às famílias, avançando que quase 17 mil já apresentaram candidaturas para tornarem os seus edifícios mais eficientes do ponto de vista energético.

“Mas nunca nada é muito quando se trata de investir para nos salvarmos a nós próprios enquanto espécie do planeta”, reiterou.

O ministro salientou que os fenômenos “assustadores” que estão a acontecer, como as cheias no centro da Europa, os incêndios na parte oriental da bacia do Mediterrânico e na Califórnia, os 50 graus em Vancouver, no Canadá, têm que fazer as populações pensar, agir e assumirem o compromisso de mudança de hábitos num “modelo de democracia aberta”.

“É inevitável que o Estado tome as decisões certas e faça os investimentos certos, mas isto não vai lá sem o esforço de todos”, deixando de usar combustíveis fósseis, plástico de uso simples, o petróleo, “reduzir muito” as embalagens, beber água da torneira, utilizar os transportes públicos.

“Não nego que tem de haver aqui um pequeno sacrifício da parte de cada um de nós, porque construir o futuro com os instrumentos do passado já sabemos o que é que daí vai resultar: a espécie humana vai desaparecer do planeta”, rematou João Matos Fernandes.

Limites

Em Lisboa, a associação ambientalista Zero alertou que o relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas será provavelmente “o último aviso” dos cientistas para que “o planeta não ultrapasse limites dramáticos” e pediu “ações vigorosas”.

Para a Zero, as perspectivas “são avassaladoras” se não forem tomadas “ações vigorosas”: “a comunidade internacional deve aumentar rapidamente a velocidade e a escala de ação necessárias para evitar alterações climáticas catastróficas”.

“É hora de acabarmos com a nossa dependência de gás natural, carvão e petróleo e investir em empregos verdes e na construção de um futuro com zero carbono com toda a urgência”, defende no comunicado.

Considera ainda que o documento de hoje será “provavelmente o último aviso da comunidade científica mundial sobre os efeitos das emissões de gases de estufa e consequentes alterações climáticas, antes do planeta se encaminhar para um aumento de temperatura superior a 1,5 ºC”.

Os ambientalistas lembram que os últimos seis anos foram “os mais quentes” desde que há registros históricos, aproximadamente em 1850.

“Em 2020 os oceanos atingiram a sua temperatura mais elevada. Os incêndios, as inundações e as condições meteorológicas extremas dos últimos meses são apenas sinais do que se pode esperar”, advertem.

Afirmando que os governos não podem ignorar os avisos feitos pelo IPCC, a Zero lamenta que, “apesar de um esforço de muitos países ou grupos de países como a União Europeia, ainda não existem planos de ação que mantenham o aquecimento global abaixo dos limites supostamente seguros”.

“Continuamos a adiar uma ação climática urgente que já era necessária desde há décadas e agora estamos quase sem tempo”, realça.

Para a Zero, este relatório do IPCC, composto por centenas dos “maiores cientistas do clima do mundo”, é o “mais decisivo” porque reforça a conclusão de que “os anos 20 deste século serão uma década crucial em que as emissões de gases de efeito estufa devem ser reduzidas a metade para limitar o aquecimento a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais, estabelecidos por relatórios anteriores do IPCC como o limite de segurança”.

“As alterações climáticas estão a causar “extremos climáticos amplificados, desde secas, ondas de calor, incêndios florestais, inundações a supertempestades, impactes que são cada vez mais intensos, frequentes e sem precedentes” e que serão cada vez “mais severos” se as emissões continuarem a aumentar.

“Quanto mais dióxido de carbono e outros gases de efeito de estufa acumularmos na atmosfera, mais tempo demorará a retornarmos a uma situação com menores impactes”, sustentou.

Para a associação, o documento “é um severo alerta” que não pode ser ignorado e “é verdadeiramente histórico” por ser a avaliação mais abrangente até agora efetuada, oito anos após o relatório de 2021/2014, e a menos de três meses antes das negociações das Nações Unidas em Glasgow, de 1 a 12 de novembro, que determinarão a forma como se irá viver “num futuro próximo”.

“A sociedade humana que conhecemos foi construída num clima que não existe mais, pelo que é crucial trabalharmos na mitigação climática (redução de emissões), mas também na adaptação climática”, defende.

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