Mundo Lusíada
O governo português tem divulgado medidas que pretendem facilitar o acesso de emigrantes e luso-descendentes ao ensino superior para o próximo ano letivo. As dúvidas diante da pandemia, porém, permanecem muitas, especialmente para os brasileiros que pretendem estudar em Portugal.
A secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Dra. Berta Nunes, conversou com o Mundo Lusíada sobre as candidaturas para o próximo ano letivo, que se encerraram no último mês.
O Brasil é um dos países que enfrenta restrições de viagens para a Europa, mas segundo lembrou a secretária, os estudantes e familiares podem embarcar para Portugal por motivos de estudo, já que são consideradas “viagens essenciais”.
Conforme divulgado em Agosto, no último ano o número de estudantes provenientes da comunidade emigrante aumentou quase 60% face ao ano anterior, mas ainda é muito baixo. No ano passado, cerca de 58 mil estudantes estrangeiros, incluindo 416 emigrantes ou seus descendentes, deixaram nos cofres das instituições nacionais de ensino superior cerca de 20 milhões de euros. Mas para este ano ainda é uma incógnita diante da pandemia.
Ainda assim, dados relativos à primeira fase do Concurso Nacional de Acesso ao ensino superior público 62.675 candidatos, o maior número nos últimos 25 anos, os dados específicos de emigrantes ainda não foram divulgados. Este ano foram 3599 vagas exclusivamente para estes candidatos em todo o sistema de ensino superior público português, que abrange 107 instituições e mais de 5000 cursos, em todas as universidades e institutos politécnicos.
Confira a entrevista com a SECP Berta Nunes:
Mundo Lusíada – As candidaturas para o próximo ano letivo de vagas (3.599) para emigrantes e luso descendentes já se encerraram. Com tantas dúvidas sobre viagens a partir do Brasil devido a pandemia, e serviços nos consulados sofrendo atrasos, o governo não pretende prorrogar a data?
Berta Nunes – As datas das candidaturas para a primeira fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior, fase prevista para a apresentação de candidatura dos alunos que se candidatem ao abrigo do contingente especial para emigrantes e familiares que com eles residam, já resultam de um adiamento de duas semanas face ao período inicialmente previsto. O processamento de todas as tipologias de vistos nacionais, em que se incluem os vistos nacionais para frequencia de curso em estabelecimento de ensino ou de formação profissional, está regularizado desde o início de agosto, tendo ocorrido antes da abertura das candidaturas ao concurso nacional de acesso ao ensino superior português. Quanto às viagens, é necessário salientar que as viagens de nacionais de países terceiros por motivos de estudo são consideradas viagens essenciais e, como tal, não estão interditadas no âmbito das medidas atualmente aplicáveis ao tráfego aéreo. Nesse sentido, não foi tido por conveniente um adiamento do concurso nacional de acesso ao ensino superior.
ML – No próximo ano letivo, o governo acredita ser possível preencher os 7% das vagas disponíveis para emigrantes ou aumentar?
BN – O nosso objetivo é continuar a tendência de crescimento que se tem verificado nas candidaturas de emigrantes e seus familiares. A presença destes estudantes no sistema de ensino superior público português é fundamental e representa o compromisso do Governo português em convocar uma dimensão fundamental do país, os emigrantes e lusodescendentes, para a educação, que necessariamente definirá aquilo que será Portugal no futuro.
Nos últimos dois anos tivemos um aumento de 52% no número destes estudantes colocados no ensino superior português. 483 emigrantes e lusodescendentes candidataram-se em 2019, o que representou um aumento de 66% em relação a 2018, com 347 candidatos.
Em quatro anos, o número de candidatos aumentou 150%. Os candidatos vêm sobretudo de França, Brasil, Angola, Venezuela, Luxemburgo, Suíça, Macau, Moçambique e Estados Unidos.
ML – Esta iniciativa é recebida com muita aceitação pela emigração em geral, e cresce vistos estudantis no Brasil. O programa é “liderado” por estudantes luso brasileiros? Ou seja, o maior contingente vai do Brasil?
BN – É necessário distinguir as candidaturas dos alunos que são nacionais de países terceiros, neste caso brasileiros, e os que são emigrantes. O Brasil é o país com maior número de estudantes internacionais em Portugal, seja no total de inscritos, seja nas novas inscrições.
ML – Estudantes brasileiros também tem uma “facilidade” a mais por se utilizarem das notas do “ENEM” (Exame Nacional do Ensino Médio) – há alguma mudança na regra por conta da pandemia? Já que o ano letivo no Brasil foi prejudicado pela pandemia?
BN – Procurando responder às consequências da pandemia de COVID-19 nos diferentes sistemas de ensino, o Governo aprovou medidas excecionais para garantir o acesso ao ensino superior no próximo ano letivo por estudantes de sistemas de ensino secundário estrangeiros. Estas medidas preveem, por exemplo, que se utilize, sempre que se justifique, para efeitos de cálculo da respetiva nota de candidatura, a classificação final das disciplinas do respetivo ensino secundário que sejam correspondentes às provas de ingresso exigidas.
ML – Alguns interessados se queixam da burocracia nas inscrições, como por exemplo equivalência de diploma, sendo cobrado taxas altas por assessorias para o processo. O que poderia se fazer para minimizar isso?
BN – A candidatura ao concurso nacional de acesso ao ensino superior realizou-se exclusivamente online, permitindo a candidatura de qualquer estudante, independentemente do país onde se encontra. Recomendamos que as dúvidas fossem remetidas para a DGES [Direção Geral do Ensino Superior] ([email protected]), de forma a que os estudantes pudessem contar com o apoio dos serviços competentes.
Comunidade no Brasil
ML – Este ano a pandemia provocou enormes dificuldades em todos os serviços públicos. No caso dos Consulados, imagina-se muito acúmulo de pedidos e documentos. O que o Ministério dos Negócios Estrangeiros pretende fazer para colocar em dia? Quando a Secretária imagina que estará “normalizado”?
BN – O Consulado-Geral em São Paulo foi reforçado a nível de recursos humanos no final de julho para fazer face à época de maior procura de vistos, designadamente vistos de estudantes. Apesar de não ter sido possível realizar atendimentos presenciais no período de confinamento, os postos diplomáticos e consulares continuaram a trabalhar e procurou-se sempre e transversalmente dar resposta às questões urgentes. Naturalmente que nas secções consulares que estavam já pressionadas antes da pandemia o esforço para a normalização da situação é maior, mas este está em curso, com todos os recursos disponíveis. Por outro lado, muitos postos consulares conseguiram diminuir os processos pendentes, aproveitando a suspensão do atendimento ao público para realizar trabalho a nível de backoffice.
ML – Há muita falta de clareza nas informações sobre viagens para Portugal. Quem pode entrar no país? Só quem tem residência? Há alguma informação específica sobre entrada de brasileiros?
BN – Atualmente, e desde o início de agosto, o processamento de todas as tipologias de vistos nacionais já se encontra disponível. Quanto aos vistos Schengen, destinados a estadas de curta duração até 90 dias em cada período de 180 dias, o processamento ainda ocorre apenas para viagens essenciais, ou seja, viagens de motivos profissionais e viagens por razões humanitárias (como para apoio familiar inadiável e de apoio a outros cidadãos residentes em Portugal em dificuldade, casos em que se reconheça necessidade de proteção internacional, entre outros). A emissão de vistos Schengen pode também ocorrer para viagens destinadas a fins turísticos ou similares, mas apenas a nacionais ou residentes de países que constam da lista anexa ao Despacho 8391-A/2020 de 31 de agosto.
Quanto às medidas aplicáveis ao tráfego aéreo, e segundo o referido despacho, em vigor até 14 de setembro, as ligações aéreas com o Brasil são permitidas no quadro das viagens essenciais. Por viagens essenciais entendem-se as viagens de cidadãos nacionais da União Europeia, nacionais de Estados associados ao Espaço Schengen e membros das respetivas famílias e nacionais de países terceiros com residência legal num Estado-Membro da UE ou as viagens de nacionais de países terceiros em viagem por motivos profissionais, de estudo, de reunião familiar, por razões de saúde ou humanitárias.
ML-Em seu comentário final, Berta Nunes falou sobre o Programa Nacional de Apoio ao Investimento da Diáspora (PNAID):
O contingente especial para emigrantes e familiares que com eles residam constitui igualmente uma das medidas do Programa Nacional de Apoio ao Investimento da Diáspora (PNAID), tomado assim como um dos apoios e incentivos para aquele que é o objetivo central do PNAID: valorizar as comunidades portuguesas residentes no estrangeiro enquanto ativo fundamental para o país na atração de investimento e internacionalização da economia, procurando nesse sentido apoiar o regresso de portugueses e lusodescendentes a território nacional e contribuir para a coesão territorial, aproximando assim os emigrantes do país.
O PNAID introduz uma dimensão fortemente multissetorial na estratégia do Governo que visa aproximar as comunidades portuguesas do país, envolvendo quinze áreas da governação. A relação com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior é um ótimo exemplo das interligações que o PNAID procura promover. Se considerarmos um emigrante que equaciona o seu regresso, é compreensível que sinta como um incentivo para tal regresso uma oportunidade que o país dá aos seus filhos ou até a si próprio de ingressar no ensino superior português através de vagas que lhes são exclusivamente dedicadas. Esta medida, entre outras, como o programa Regressar, incentivos financeiros ou instrumentos de financiamento à reabilitação e ao arrendamento, procura criar um cenário que esperamos que possa ser crescentemente favorável a um regresso dos emigrantes que beneficie os próprios e o país.
Entrevista publicada na edição n.500 do jornal Mundo Lusíada