Da Redação Com Lusa
A situação epidemiológica de covid-19 em Portugal se agravou desde meados de agosto, segundo peritos da Direção-Geral da Saúde (DGS) e Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), no regresso das reuniões entre especialistas e políticos.
No auditório da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Pedro Pinto Leite, da DGS, explicou que no período analisado entre 17 e 30 de agosto foram registadas 3.909 novas infecções. Ao nível da transmissão, 49% dos que referiam ter tido contacto com o vírus fizeram-no em contexto familiar, com apenas 16% a indicarem o contexto laboral.
Apesar do peso da região de Lisboa e Vale do Tejo e da região Norte na atual situação epidêmica, a incidência cumulativa de casos por 14 dias evidenciou o peso de alguns surtos noutros concelhos, nomeadamente Mora, com 215 casos por 100 mil habitantes, Sernancelhe (149), Armamar (121), Arouca (120), Vila Verde (102) e Arraiolos (86).
No entanto, Pedro Pinto Leite referiu que a “trajetória crescente” da situação a partir de meados de agosto assenta no “contributo principal dos concelhos de Odivelas, Amadora, Sintra e Lisboa”. Com efeito, a incidência cumulativa de casos em Lisboa e Vale do Tejo permanece ainda acima da incidência nacional no período observado na análise.
“Parece-nos ser necessário reforçar as medidas não farmacológicas conhecidas por todos – desde o distanciamento físico, a higienização das mãos, o uso de máscaras ou outros equipamentos de proteção individual, o arejamento de espaços, evitar tocar com as mãos nos olhos, no nariz e na boca, e a desinfeção dos locais. Todas devem ser reforçadas, especialmente no grupo de 80 ou mais anos, cuja incidência está acima das restantes idades, como no grupo de 20-29 anos, que lidera estas incidências”, explicou.
Já sobre os óbitos, o especialista da DGS realçou a existência de 43 óbitos entre 17 e 30 de agosto, para um total de 1822. Quanto à distribuição etária, a faixa acima dos 80 anos concentrou 67% das mortes, o grupo 70-79 anos registrou 28% e os escalões abaixo dos 70 anos representaram apenas 5%; já a nível demográfico, Lisboa e Vale do Tejo concentrou 74% das mortes e o Norte teve 26%.
Sobre a taxa de letalidade nacional, que reflete o peso dos óbitos sobre o número de casos, Pedro Pinto Leite notou que houve um crescimento “até ao início de junho, mantendo-se estável ou descendo” desde então. “A 30 de agosto, a letalidade nacional estima-se em 3,1% e deve-se principalmente ao grupo com 80 ou mais anos e ao grupo 70-79 anos”, resumiu.
Em representação do INSA, Ausenda Machado começou por fazer uma contextualização internacional da pandemia no último mês, sublinhando a progressão desfavorável em várias regiões de Espanha, assim como em alguns países do centro e de leste da Europa.
Cruzando o índice de transmissibilidade efetivo (Rt)- que em Portugal se encontra atualmente nos 1,12 – com a incidência de casos, a especialista do INSA destacou “um agravamento da situação de Espanha, França e Portugal, que já se encontra no quadrante de maior incidência, pese embora a situação epidémica não seja tão danosa como noutros países”.
Paralelamente, Portugal apresenta uma média superior a 80 mil testes por semana desde junho, sendo que em termos de percentagem de positivos “houve um crescimento nas últimas semanas, em linha com a tendência epidémica“. Por outro lado, Ausenda Machado vincou a evolução positiva da rapidez de notificação desde o início de sintomas, que passou de 11 dias em março para quatro no final de abril, mantendo-se nesse valor desde então.
A especialista do INSA concluiu com um olhar sobre as hospitalizações, que se mantêm por agora estáveis, embora tenha notado um aumento no número de consultas nos cuidados de saúde primários e nas urgências devido à covid-19. “Vamos acompanhado para perceber se é um aumento sustentado ou uma variação usual”, sintetizou.
A reunião desta segunda-feira entre especialistas e políticos é a primeira desde 08 de julho e a primeira a ser transmitida, depois de dez sessões fechadas. O primeiro-ministro, António Costa, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, voltam a juntar-se a líderes partidários e parceiros sociais para ouvir técnicos e especialistas sobre a situação da pandemia em Portugal.
Portugal contabiliza pelo menos 1.843 mortos associados à covid-19 em 60.507 casos confirmados de infecção, segundo o último boletim da Direção-Geral da Saúde (DGS).
Segunda onda
Manuel do Carmo Gomes, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa afirmou ser possível, tendo por base modelos matemáticos, evitar uma segunda vaga da covid-19 em Portugal.
“A reabertura das escolas, no seguimento das medidas de relaxamento do confinamento, tem uma grande propensão para originar uma segunda onda, mas há uma boa noticia que é a de que a segunda onda não é uma fatalidade, não é uma coisa inevitável e conseguimos até estimar o que podemos fazer para a evitar”, disse o especialista.
De acordo com os modelos matemáticos apresentados, para que se evite uma segunda vaga do novo coronavírus em Portugal é preciso ter em conta “duas circunstâncias”: os contactos na sociedade e os contactos nas escolas.
Segundo Manuel do Carmo Gomes, se aquando da reabertura das escolas os contactos nas escolas forem reduzidos em 30% em relação à época “pré-covid”, “a probabilidade de uma segunda onda é muito baixa”.
No entanto, para evitar o surgimento da segunda vaga, o especialista defendeu que será também necessário que os contactos na sociedade sejam reduzidos para metade daquilo que era o “pré-covid”, uma vez que “não basta alterar o comportamento dos jovens nas escolas”.
“Há um aspecto positivo. O modelo prevê que é possível evitar a segunda onda, dá-nos uma indicação daquilo que temos de fazer para evitar a segunda onda”, referiu o especialista.
Numa intervenção com o tema “Um regresso seguro à escola”, Henrique Barros, presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) sublinhou que independentemente de virem a existir “ondas”, não basta prestar atenção apenas aos casos positivos, mas também aos casos assintomáticos.
Henrique Barros disse ainda que apesar da abertura das escolas, é espectável que “o índice Rt (índice de transmissibilidade) não aumente mais” do que os valores que registra atualmente.
“É possível pensar que seremos capazes de controlar a situação”, disse Henrique Barros, considerando também importante a reabertura das escolas, nomeadamente, para que informações do ponto vista da saúde, cuidados de higiene e de segurança sejam transmitidos às crianças e jovens.
Carla Nunes da Escola Nacional de Saúde Pública, que na sessão apresentou dados do período de reabertura das escolas em 18 de maio e em setembro em outros países europeus, afirmou que a “heterogeneidade de planos de segurança e de higiene é muito grande”, considerando que as escolas são “apenas um dos setores que está abrir” e que proporciona “alterações de comportamentos” em vários grupos, não só nas crianças e nos mais jovens.
Durante a sua apresentação, a especialista, que recorreu a dados de outros países europeus, afirmou que o aumento de casos verificados, por exemplo nos países nórdicos, “não pode ser atribuído apenas à reabertura das escolas”, mas ao relaxamento das medidas de higiene e segurança neste período de verão.
A especialista defendeu por isso a necessidade de envolvimento dos alunos, professores, pais, escolas e autoridades de saúde para este próximo ano letivo, considerando que este envolvimento tem também de ser “adaptado localmente”.