Mundo Lusíada
Com Lusa
O Teatro São Luiz, em Lisboa, anunciou que associa-se ao Festival Verão Sem Censura, que começa nesta sexta-feira, em São Paulo, uma iniciativa organizada pela prefeitura para promover a cultura brasileira. Segundo a Secretaria Municipal de Cultura de SP, não é um projeto de antagonismo ao Governo Federal, mas uma medida de “valorização da cultura” e “liberdade de expressão”.
Entre os dias 17 e 31 de janeiro, o Festival Verão Sem Censura acolhe manifestações artísticas que sofreram recentemente algum tipo de censura no Brasil. Durante 15 dias, haverá peças de teatro, filmes, exposições e debates espalhados pela cidade paulista, todos de entrada gratuita.
Associando-se a essa iniciativa, o teatro municipal São Luiz assinala que tem em cena uma peça do escritor português Orlando da Costa, “Sem Flores Nem Coroas”, escrita em 1967 e publicada em 1971, que na altura foi alvo de censura por parte do Estado Novo.
Nesta sexta-feira, às 21:00, antes do início do espetáculo, a diretora artística do São Luiz, Aida Tavares, e a encenadora de “Sem Flores Nem Coroas”, Fernanda Lapa, vão ler dois textos-manifestos ao público, para explicar por que faz sentido associarem-se ao Festival Verão Sem Censura e por que motivo importa dar atenção “ao que se passa do lado de lá do Atlântico”.
“Esta é a nossa forma de nos associarmos e, mais do que solidários, fazermos com que saibam que também nos diz respeito”, diz Aida Tavares.
A diretora lembra que hoje, tanto no Brasil, como em muitos países europeus, “nas mais diferentes frentes, as mais discretas e as mais cobardes”, a censura existe e a censura é real.
“Não esquecemos o que foram os 48 anos de ditadura que vivemos e que ainda não dobramos em democracia”. “Estamos com os nossos amigos brasileiros, os artistas e os cidadãos, com todos aqueles que lutam e com todos aqueles que resistem, porque estamos com todos os nossos amigos portugueses, os artistas e os cidadãos que querem, precisam, acreditam e perpetuam o maior ensinamento que a arte nos traz: A Liberdade”.
A atriz e encenadora Fernanda Lapa considera que “a arte continuará a existir, com ou sem censura, e sempre com mais força”. “Fomos, somos e seremos vítimas, mas também responsáveis, se não denunciarmos, se não recusarmos e se não defendermos que é censura aquilo que nos estão a dizer que é para o bem de todos”, acrescentou.
A Cultura tem criado polêmica, já que o atual governo de Jair Bolsonaro trava “guerra contra o marxismo cultural” presente no conteúdo e temáticas diversificadas nas artes e tem defendido que não sejam patrocinadas com dinheiro público, como em anos anteriores.
Em São Paulo
A abertura do evento, no dia 17, será realizada na Praça das Artes, com show de Arnaldo Antunes, que teve seu videoclipe censurado na TV recentemente. Logo após, acontece a apresentação do DJ Rennan da Penha, funkeiro idealizador do Baile da Gaiola preso em março e libertado em novembro.
No dia 18, a Praça das Artes promove também uma exibição de “Bruna Surfistinha”, de Marcus Baldini. O longa-metragem tem sessão seguida de debate com Raquel Pacheco, cuja autobiografia “O Doce Veneno do Escorpião” inspirou o filme, e a atriz Deborah Secco, que interpreta a ex-prostituta. Em julho, o presidente Jair Bolsonaro declarou que não poderia “admitir que, com dinheiro público, se façam filmes como o da Bruna Surfistinha”. Na sequência, acontece desfile de moda da Daspu, grife do movimento de prostitutas do Brasil criada por Gabriela Leite, e a festa LGBT Desculpa Qualquer Coisa com performance das Maravilhosas Corpo de Baile.
No dia 30, o Pussy Riot, banda punk rock feminista que teve integrantes condenadas à prisão na Rússia, em 2012, faz show com participação de Linn da Quebrada, na Rua Vergueiro, altura do nº 1200, em frente ao Centro Cultural São Paulo (CCSP). No dia 29, a banda participa de debate no mesmo espaço, após exibição do documentário “Act and Punishment”, de Yevgeni Mitta.
A Praça Ramos de Azevedo, em frente ao Theatro Municipal, é palco para festas no dia 31, começando com o Cortejo do bloco Espetacular Charanga do França, às 23h. Em seguida, a diversão continua com Tarado Ni Você, bloco de músicas de Caetano Veloso, e, por fim, a festa Minhoqueens.
O Theatro Municipal recebe o encerramento do Festival, com apresentação da peça “Roda Viva”, do Teatro Oficina, no dia 31. O espetáculo, escrito por Chico Buarque e com direção de José Celso Martinez, foi censurado durante a ditadura civil-militar brasileira. O espaço também é palco do show “Divinas Divas”, com mulheres trans que também sofreram atos de censura durante a carreira, no dia 29.
Na Biblioteca Mário de Andrade, a programação inclui as peças “O Caderno Rosa de Lori Lamby”, nos dias 18 e 19, e “Navalha na Carne Negra”, nos dias 24, 25 e 26; uma conversa sobre Marighella, com Mário Magalhães e Maria Marighella, no dia 29; o bate-papo “Uma Aula Sobre 1984”, com a historiadora Lilia Schwarcz, sobre o romance distópico de George Orwell, no dia 21; e o clube de leitura “Puñado lê Proibidas”, com trechos de autoras latino-americanas brancas e negras que foram censuradas.
Peças Censuradas
A programação inclui diversos espetáculos censurados em 2019. No Centro Cultural São Paulo (CCSP), “Caranguejo Overdrive”, de Aquela Cia de Teatro, é exibido após ter a sua reestreia vetada no Rio de Janeiro. A peça foi consagrada com o Prêmio Shell 2016 de Melhor Direção para Marco André Nunes, Melhor Autor para Pedro Kosovski e Melhor Atriz para Carolina Virgüez. As sessões acontecem nos dias 17, 18 e 19.
Censurada pela FUNARTE, a peça “RES PUBLICA 2023” já foi acolhida pela Prefeitura em outubro, quando estreou no CCSP. Agora, o espetáculo do grupo A Motosserra Perfumada chega ao Centro Cultural da Juventude (CCJ), nos dias 22 e 23. Também no CCJ, acontece a apresentação de “Domínio Público”, na qual os artistas Maikon K, Renata Carvalho e Wagner Schwartz, juntamente com Elisabete Finger, se juntam para uma reflexão a partir dos ataques sofridos em 2017.
A peça “Abrazo”, da companhia Clowns de Shakespeare, é apresentada nos dias 17, 18 e 19, no Centro Cultural Olido, após ter sido cancelada minutos antes de sua segunda sessão em Recife. O espetáculo infanto-juvenil é inspirado no “Livro dos Abraços”, de Eduardo Galeano, e conta a história de um local no qual abraços não são permitidos.
Também no Olido, o espetáculo “Gritos”, da companhia Dos à Deux, é apresentado nos dias 17, 18 e 19. O motivo da censura teria sido a temática LBGT do espetáculo, que conta a história de uma travesti.
O CCSP apresenta, entre os dias 17 e 31, uma exposição com cartazes de filmes censurados, reconhecendo a importância dos cartazes para preservar a memória do cinema brasileiro – em dezembro, cartazes foram retirados das paredes da sede e do site da Ancine. Na Biblioteca Mário de Andrade, é possível conferir a exposição “Banidos”, com obras do acervo de livros raros censuradas na história literária. A abertura, no dia 17, conta com bate-papo com Ignácio de Loyola Brandão, romancista brasileiro autor de obras que foram censuradas na época da ditadura, e Laura Mattos, autora do recente Herói mutilado: Roque Santeiro e os bastidores da censura à TV na ditadura.
No CCSP, é exibido o premiado “A Vida Invisível”, representante do Brasil no Oscar. O longa-metragem de Karim Aïnouz seria exibido para os servidores da Ancine em dezembro, mas foi vetado pela direção do órgão, do qual o filme também teve os seus cartazes removidos das paredes. A sessão acontece dia 19, na Sala Lima Barreto. O espaço também apresenta uma Sessão de filmes LGBT, dias 18 e 19.