Por Augusto Santos Silva
Hoje, 19 de dezembro, a Assembleia Geral das Nações Unidas votará o Pacto Global para Migrações Seguras, Ordenadas e Regulares. Não é um texto jurídico, mas um compromisso político da mais alta importância. Ele responsabiliza os países que o aprovarem (e serão provavelmente mais de dois terços dos Estados-membros), na afirmação de princípios, na definição de objetivos e na adoção de medidas tendentes a combater o tráfico e a exploração de pessoas, apoiar os países de origem e trânsito das migrações nos seus processos de desenvolvimento e fixação da população, e valorizar fluxos de migração legal e organizada.
O Pacto constata que as migrações constituem uma constante da história humana e que o seu efeito tem sido geralmente positivo. É de 258 milhões, menos de 4% da população mundial, a estimativa do número atual de migrantes internacionais. A larguíssima maioria são migrantes legais, integrados nas sociedades de acolhimento e contribuindo, através de remessas, consumos e investimentos, para a economia das regiões de origem. Os naturais de nações fora da União Europeia (UE) que nela residem representam pouco mais de 4% dos habitantes. A ideia de uma “invasão” maciça não tem, pois, fundamento. Aliás, hoje em dia, para lá das migrações dos países do Sul para os do Norte, há correntes muito significativas de direção Sul-Sul e Norte-Sul.
Na UE e noutras regiões do mundo, sem imigração o inverno demográfico seria ainda maior. No primeiro caso, entre 2000 e 2015, foi o saldo migratório positivo que impediu a estagnação populacional.
Na raiz da emigração forçada, quer dizer, da que não corresponde a escolhas profissionais livres mas é determinada pela pressão da necessidade, estão fatores económicos como a pobreza e a falta de emprego, fatores sociais como a alta taxa de natalidade, a desigualdade extrema, a opressão das mulheres e a exclusão dos jovens, fatores climáticos como a seca e outras catástrofes, e fatores políticos como a guerra, a instabilidade, perseguições e abusos de vária sorte.
A perceção de oportunidades em países de acolhimento, a existência neles de núcleos de compatriotas que forneçam um primeiro apoio e a ação de redes de tráfico contribuem também para a dimensão do fenómeno emigratório. Isto significa que ninguém o para nem parará através apenas de medidas administrativas ou policiais de proibição de entrada e expulsão.
Perante os factos, o Pacto conclui que a melhor alternativa às migrações ilegais e às redes que as organizam é a promoção de migrações legais e seguras. O que significa a combinação de três coisas. Uma é o apoio aos países de origem e trânsito nos seus processos de desenvolvimento, para que gerem o emprego, os bens públicos e a dignidade que os migrantes se veem obrigados a demandar fora de portas. Outra é a defesa das fronteiras e o combate ao tráfico de pessoas, para que as políticas migratórias sejam, como devem ser, prerrogativas dos Estados, definidas em função das suas capacidades de acolhimento e integração. E a terceira é a disponibilização de canais legais e seguros de imigração, favorecendo o trabalho e a ocupação profissional, o reagrupamento familiar, a formação dos direitos sociais e condições dignas de habitação, exigindo ao mesmo tempo, aos migrantes de qualquer proveniência, condição e crença, o pleno respeito pelos valores, as normas e as instituições próprias das sociedades que os acolhem.
Não se trata de proclamar um suposto “direito a emigrar”, entendido como livre circulação e residência em qualquer país do mundo, independentemente das respetivas leis; mas sim de reconhecer os direitos humanos das pessoas migrantes, incluindo as que se encontrem em situação irregular. Não se trata de impor aos países de destino uma agenda forjada contra eles; mas de reconhecer o óbvio – que não é possível regular este fenómeno global se não pela cooperação multilateral. Não se trata de “escancarar” as fronteiras, outrossim de responder efetiva e adequadamente à enorme pressão que, desregulados, os movimentos populacionais poderão representar. Não se trata de desprezar a dimensão securitária, mas sim de ligá-la com as outras dimensões.
Hoje, o embaixador nas Nações Unidas exprimirá o voto de Portugal a favor do Pacto. Fá-lo-á por instrução do Governo, em nome do país e com o apoio de todos os partidos parlamentares. Assim mostramos mais uma vez, na UE, que não tememos o populismo e, perante o mundo inteiro, que somos credíveis e confiáveis.
É um dia de orgulho para nós.
Por Augusto Santos Silva
Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal