Por Igor Lopes
Carlos Eduardo Drummond e Marcio Nolasco são os autores do badalado livro “Caetano: Uma Biografia”, lançado em 2017 pela editora Seoman. Ao longo de mais de 500 páginas, 26 capítulos e cerca de duzentas entrevistas, a obra revela a vida de Caetano Veloso, “o mais Doce Bárbaro dos Trópicos”, reconhecido como um dos maiores cantores e compositores da música popular brasileira. Em entrevista à nossa reportagem, a dupla responsável pelo trabalho biográfico falou sobre a etapa de pesquisa da obra, as passagens mais marcantes, os obstáculos para a publicação do livro e a possibilidade de edição em outros países.
Como surgiu a ideia do livro?
Em 1996, decidimos escrever a biografia de um grande nome da música popular brasileira. Na época, percebemos que a história de alguns dos nossos cantores carecia de registro biográfico em forma de livro. O primeiro artista lembrado foi Roberto Carlos, mas as dificuldades de chegar até ele nos motivaram a mudar de personagem. A mãe de Marcio Nolasco, dona Ana Marlene, havia estudado com Rodrigo Velloso, irmão de Caetano Veloso, outro importante artista com a mesma lacuna bibliográfica. Isso nos facilitou o primeiro contato e assim decidimos pelo cantor baiano.
Como foi a pesquisa?
Foi o período mais agradável do projeto. Primeiramente, tivemos a ajuda de Rodrigo Velloso, que nos recebeu em Santo Amaro e Salvador, e nos apresentou à fotógrafa Maria Sampaio, guardiã do acervo da família. Com a base documental estabelecida por ambos, criamos, em seguida, uma rede de contatos que nos permitiu obter preciosos depoimentos, tanto de familiares quanto de amigos de infância e juventude. Dessa primeira relação de entrevistados, também recebemos apoio valioso de Antônio Nunes, o Manteiga, amigo de infância de Caetano, atualmente radicado em Itabuna, na Bahia. Aqui no Rio, fomos muito bem recebidos pelo cantor e compositor Roberto Menescal, um dos criadores da Bossa Nova, e pelas cantoras do Quarteto em Cy, que nos facilitaram a conexão com outras celebridades do meio musical brasileiro. Ao todo foram 103 entrevistados, totalizando quase duzentas entrevistas.
Quando e onde foi lançado?
Em meio a uma grande cobertura da imprensa, lançamos o livro no Rio de Janeiro em maio de 2017. No decorrer daquele mês, também lançamos em São Paulo, com show da cantora baiana Gilmelândia, e, em Salvador, com a presença de Mabel Velloso, irmã do cantor, e de artistas e amigos de infância dele. Não por acaso três dos principais cenários das muitas histórias contadas no livro.
Que pontos são mais marcantes na obra?
Particularmente, destaco todo o período da infância e juventude, que revela ao leitor como se deu a base da formação de Caetano Veloso. Primeiramente, em Santo Amaro, no interior da Bahia, e, depois, em Salvador, capital baiana. Esses trechos lançam luz em personagens importantes na formação do artista, pouco ou nunca lembrados pela imprensa brasileira. Também revelam o jovem Caetano Veloso, ainda estudante, em dúvida sobre qual carreira abraçar. Conhecida essa base da sua formação, é possível entender muitas decisões que ele tomaria no futuro, quando inaugurasse com Gilberto Gil o movimento Tropicalista, ou, em cada disco lançado, depois de engrenar uma carreira duradoura, reiniciada no início dos anos 1970, após o seu retorno do exílio em Londres.
Que histórias mais surpreenderam vocês em relação à vida de Caetano?
A origem de várias das suas canções, biográficas, em sua totalidade, é sempre cheia de referências afetivas. Identificar essas fontes, conhecendo o contexto em que as músicas foram compostas, nos permitiu compreender melhor a sua obra, e até mesmo entender, por exemplo, a lógica de seleção de um repertório em determinado show. As grandes turnês internacionais também renderam muitas boas histórias. Em Portugal, na Espanha, na Argentina, em Nova York, no Japão, por onde Caetano passou, havia uma legião de fãs e testemunhas. E nós falamos com muitas deles, que nos revelaram saborosas passagens. Os bastidores do regime militar, contados por um tenente da época, igualmente nos surpreenderam e nos ajudaram a entender como funcionava o protocolo de atuação daquele regime, que culminou com a prisão de Caetano Veloso e Gilberto Gil, em 1968. Detalhes inéditos da sua vida amorosa, que influenciaram a sua obra e carreira, também são revelados ao longo dos capítulos. O livro é rico em histórias inéditas, e não só do Caetano. Nesse sentido, são várias biografias dentro da biografia. Há, por exemplo, uma história mística de Maria Bethânia, que nos foi contada por uma das suas irmãs, e confirmada pela cantora, acerca da sua relação com um Orixá da Bahia antes de iniciar a sua carreira no Rio de Janeiro.
Que obstáculos encontraram durante a confecção da obra?
Inúmeros obstáculos. Todos os custos da pesquisa, incluindo as muitas viagens a São Paulo, Salvador e Santo Amaro, saíram do nosso próprio bolso. Então, o primeiro grande obstáculo nos afetou no plano financeiro. Outro grande desafio foi dividir o tempo de pesquisa com as nossas outras atividades profissionais. Durante os oito anos de trabalho, entre pesquisa e redação, praticamente não tivemos férias, e muitos dos nossos finais de semana foram consumidos dentro de bibliotecas ou diante de computadores. Vale destacar também as dificuldades naturais de localizar pessoas e documentos, no campo da pesquisa, e o desafio de estabelecermos um estilo literário comum aos dois autores, no quesito redação. Por fim, é importante registrar que o maior obstáculo pelo qual passamos aconteceu após a finalização da primeira versão da obra. A ausência de uma autorização formal do biografado nos forçou a engavetar o projeto por 11 anos, pois a lei brasileira em vigor na época obrigava a existência de uma autorização do biografado ou dos seus herdeiros para a publicação de uma biografia. Somente em 2015, após a Suprema Corte Brasileira abolir essa lei, foi possível desengavetar o livro, fazer uma revisão profunda, tanto de informações quanto de texto e estilo, e, finalmente, publicá-lo. Do início do projeto, em 1997, até a sua publicação, em 2017, foram 20 anos de espera. Parafraseando Caetano: “é engraçada a força que as coisas parecem ter quando elas precisam acontecer”.
Como o público tem recebido o livro?
A reação de quem leu o livro com isenção tem sido a melhor possível. A todo momento, recebemos em nossas redes sociais mensagens de leitores de todo o Brasil, e até do exterior, elogiando a obra e agradecendo por termos conseguido êxito nessa publicação tão necessária à preservação da memória das artes em nosso país. Recentemente, recebemos o apelo de um argentino para publicarmos o livro por lá. Ele nos passou as editoras indicadas e iniciamos o contato, pois o público latino-americano não pode ser privado dessa história. O mesmo sentimento nutrimos em relação à compartilhar com os portugueses o resultado desse trabalho. Esse livro vai chegar à América Latina e à Europa. É uma questão de tempo.
Que mensagem procuraram deixar com esse trabalho literário?
O livro mostra as escolhas e decisões que levaram um menino simples, nascido e criado no interior da Bahia, nos anos 1940, a se tornar um dos artistas brasileiros mais completos de todos os tempos, e mundialmente reconhecido. Além de apresentar ao leitor a trajetória de um cantor tão bem-sucedido, o livro demonstra a forma como ele se relaciona com tudo que está a sua volta, a sua época e os seus contemporâneos, e revela, por meio das suas escolhas estéticas abrangentes e da sua forma particular de pensar o mundo, os segredos do seu sucesso profissional e a origem da riqueza cultural da sua obra.
Que projetos têm para o futuro?
Há projetos individuais e em dupla. Especialmente um, em dupla, se mostra mais próximo de ser concretizado. Trata-se de outro livro biográfico. Por enquanto, não podemos revelar o nome do personagem, pois as negociações ainda estão para acontecer.
E qual é o perfil dos autores?
Carlos Eduardo Drummond é carioca, nascido em 1971. Formado em Administração de Empresas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pós-graduado em Relações Internacionais pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Poeta, escritor e compositor, autor de três livros e coautor dos Sambas de Enredo da Imperatriz Leopoldinense de 2011, ganhador do prêmio “Estandarte de Ouro”, e de 2013. Também é servidor público na Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), ligada ao Ministério da Cultura. Marcio Nolasco é também carioca, nascido em 1969. Formado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ávido leitor, cinéfilo, contista, com trabalhos publicados em diversas antologias. É auditor fiscal na Secretaria de Fazendo do Estado do Rio de Janeiro. Casado com a cantora e professora de música Tatiana Pinheiro, é pai de Guilherme.