Bondades e Encargos Suscetíveis de Repartição

Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

 

Ao abordar-se a questão da distribuição justa das riquezas naturais, e/ou produzidas pela humanidade, consideram-se riquezas de natureza material e também aquelas que não são assim tão objetivas e quantificáveis.

Se quanto às riquezas materiais, é possível identificá-las e medi-las, como elementos constituintes de um dado património, tal como o: dinheiro, prédios, objetos de arte, viaturas e muitos outros bens físicos; no que se refere às riquezas imateriais, a sua identificação e amplitude objetivas são mais difíceis de determinar. Ainda assim, pode-se indicar como fazendo parte deste acervo, a cultura, a educação/formação, profissão, estatuto/prestígio e diversos ideais, tais como ser portador de valores ético-morais, honra, lealdade, dignidade.

Por outro lado, existem, ainda, diversos conjuntos de riquezas que contribuem, decisivamente, para o bem-estar material e espiritual da pessoa humana, constituindo o suporte mais desejado por cada indivíduo, para uma vida feliz, nomeadamente: a saúde, o trabalho, a ordem, a segurança, a paz, o progresso e as leis justas, entre outras, igualmente importantes, como a igualdade de oportunidades no acesso a bens e serviços do domínio público, sob administração do Estado, como, por exemplo: a justiça, a educação e a cidadania plena. Obviamente que a distribuição, e enquadramento daquelas riquezas, pode assumir outras disposições e classificações, sem que isso afete a objetividade de uma melhor justiça distributiva das riquezas.

Admite-se que em todo o mundo existam situações de graves e inaceitáveis injustiças, na distribuição das riquezas, não só no interior de cada país, mas também ao nível internacional e, neste quadro mais alargado, poder-se-ia questionar por que razão as riquezas naturais, concedidas ao ser humano pelo Criador, supostamente sem discriminações, tais como, por exemplo: a fauna, a flora, o petróleo, o gás natural, os diamantes, os minérios, a água, entre outros, não são geridos por uma só entidade supranacional e universal, do tipo, Nações Unidas, e distribuídas equitativa e proporcionalmente pela população mundial? Até porque em alguns dos países onde existem aquelas riquezas naturais, grande parte da população vive na mais abjeta miséria.

Uma abordagem sobre estas riquezas naturais, na perspectiva da distribuição universal por todos os países, poderá parecer utópica e até suscetível de críticas humorísticas, todavia, a humanidade é só uma, e a dignidade das pessoas igual, qualquer que seja a sua origem étnica, nacionalidade e estatuto.

Todos nascem livres e iguais, detentores dos mesmos direitos e deveres, embora se reconhecendo que, atualmente, as influências económicas, culturais, religiosas, políticas, ético-morais e outras, são muito fortes para que se consigam alterações de fundo na redistribuição das riquezas naturais, controladas pelos grupos mais poderosos e alguns servidores daqueles, nos territórios físicos, onde elas foram colocadas pela Natureza.

Reconduzindo a reflexão para os planos nacionais, igualmente se verifica que, certamente, em todos os países, a justiça distributiva das riquezas materiais, e/ou imateriais, também está ao nível da utopia ou de uma miragem, inacessível à esmagadora maioria das populações, quanto ao respetivo benefício.

Naturalmente que o Estado, através dos órgãos específicos, estes geridos por pessoas, tem responsabilidades acrescidas, na medida em que: por um lado, coercivamente, obriga o cidadão a pagar determinadas contribuições, impostos, taxas e serviços à comunidade; mas, por outro lado, favorece-se a si próprio. O Estado é uma elite sem rosto, servido pelos cidadãos eleitos, ou nomeados.

A situação de flagrantes injustiças, na distribuição de bens e serviços, fica-se a dever à deficiente formação de uma parte dos responsáveis político-governantes, e a uma notória insensibilidade para estas questões, agravada por comportamentos autoritários de poder, de arrogância, de pseudo-competências e, principalmente, por práticas reiteradamente injustas, notoriamente, em sistemas autocrático-ditatoriais.

A sociedade, as instituições e quaisquer organizações, independentemente dos seus fins, carecem de ter à sua frente, dirigentes justos, no sentido da coerência, imbuídos de um espírito de compreensão, tolerância, humanismo e respeito pela dignidade do seu semelhante.

A justiça, qualquer que ela seja, só será verdadeiramente realizada por pessoas justas porque: «É verdadeiramente o aparecimento dos justos, que marca, ou deve marcar, agora, a nova atitude na concepção e na administração da justiça.» (LÚCIO, 1999:36).

Não obstante o conceito roussiniano, segundo o qual “o homem é naturalmente bom”, o que parece ainda não estar provado, igualmente se pode aceitar que o homem nasce naturalmente impreparado para viver com regras, valores, direitos e deveres, sendo a sociedade, através dos seus diversos agentes e instrumentos de socialização, que o vai preparar para se integrar plenamente (ou não) numa determinada ordem.

Desconhece-se, portanto, se o homem é justo pela sua natureza ou, se não o sendo, o poderá vir a ser pela educação, formação, cultura e religião. Se esta segunda hipótese for a correta, então o homem tem de se preparar para ser justo, como cidadão, como pessoa, como profissional, qualquer que seja o seu estatuto.

 

Bibliografia

LÚCIO, Álvaro Laborinho, (1999) A Justiça dos Justos, Viana do Castelo: Centro de Cultura do Alto Minho/Casa dos Rapazes.

Venade/Caminha/Portugal, 2018

 

Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *