Mundo Lusíada
Com Lusa
A história do imigrante ilegal do Mali, que não tinha documentação na França, viu-se passar a herói no país, após salvar uma criança que quase caiu de um prédio na capital Paris, o que lhe rendeu a legalização.
O jovem salvou uma criança de quatro anos que estava pendurada num edifício de quatro andares em Paris, e agora será naturalizado francês e poderá integrar os sapadores bombeiros, segundo anunciou o Presidente francês, Emmanuel Macron.
“Todos os papeis vão ser regularizados”, garantiu o chefe de Estado, após um encontro com Mamoudou Gassama, o jovem maliano que no sábado demorou apenas meio minuto a subir pela fachada do prédio até salvar a criança, que estava pendurada da varanda.
Macron propôs-lhe iniciar o processo de naturalização, o que Gassama aceitou, e ofereceu-lhe um emprego como sapador bombeiro.
“Bravo”, disse Macron a Gassama no encontro, no Palácio do Eliseu, que terminou com a entrega de uma medalha da prefeitura pela “coragem e devoção”.
O seu ato espontâneo, que foi filmado em vídeo e que teve milhões de visualizações, gerou uma onda de apelos com vista à sua regularização.
O jovem diz ter documentos que lhe permitem ficar legalmente na Itália, onde chegou em 2014 após atravessar o Mediterrâneo desde a Líbia, onde ficou cerca de um ano, mas quer juntar-se ao seu irmão, que vive há décadas na França.
Uma criança cujos pais não estavam em casa caiu da janela do quarto andar de um apartamento em Paris ficando pendurada na sacada, quando foi resgatado por Mamoudou Gassama, originário do Mali.
O porta-voz do governo francês, Benjamin Griveaux, escreveu no domingo, na rede social Twitter: “este ato de uma imensa bravura, fiel aos valores de solidariedade da nossa República, deve abrir-lhe as portas na nossa comunidade nacional”.
“Mamoudou Gassama lembra-nos que as pessoas em situação irregular são seres humanos, com (…) imensa coragem, da qual fazem prova durante a perigosa viajem com destino à Europa”, sublinhou por seu lado a organização SOS Racismo.
“Uma coragem que continuam frequentemente a manifestar aqui [França]”, realçou a organização, antes de solicitar “ao ministro do Interior para regularizar a situação do senhor Gassama”.
Descoberto pela mídia 24 horas depois do seu gesto, Mamoudou Gassama, de 22 anos, contou o episódio: Vi muita gente prestes a chorar e ouvi as sirenes das viaturas. (…) Tive medo quando salvei a criança, mais tarde comecei a tremer, não conseguia suster-me nos meus pés e tive que me sentar”. “Obrigado Deus, eu salvei-a”, exclamou o maliano.
Para além das reações nas redes sociais, as declarações e os elogios políticos não tardaram a chegar, no próprio dia, nomeadamente pela presidente do município de Paris e pelo presidente do partido Les Republicains da região Ile-de-France.
A mãe da criança não se encontrava em Paris no momento dos acontecimentos, mas o pai foi detido por ter deixado o filho sem supervisão. A criança foi entregue temporariamente a uma estrutura de acolhimento. Confira um dos vídeos deste momento que circula nas redes sociais:
? Undocumented migrant from Mali, Mamoudou Gassama, risked his life and his future in France to rescue a child he did not know.
French president Macron, just offered himthe French citizenship and a job with the fire brigade. pic.twitter.com/KUVbB7kAOy
— Xavi Ruiz ? (@xruiztru) May 28, 2018
No Mali
O Presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keïta, e uma associação de migrantes saudaram a coragem do cidadão maliano sem documentos após o salvamento, o que lhe valeu a legalização.
Mas, tal como o presidente da Associação Maliana dos Expatriados (AME), Ousmane Diarra, “muito orgulhoso” do compatriota, muitos lamentam que tenha sido necessário um ato tão excepcional para obter uma regularização que outros jovens africanos aguardam por vezes em vão durante “mais de dez ou 15 anos”.
“Não devia ser preciso esperar [a oportunidade de] salvar um francês para ser naturalizado francês”, sustentou Diarra, apelando para que “se reveja e altere a política europeia sobre a migração e a política francesa, em particular”.
Na sua conta da rede social Twitter, o Presidente maliano, que telefonou a Mamoudou Gassama para o felicitar, descreveu-o como “um digno e corajoso filho do Mali”. “Salvar uma vida colocando em perigo a sua não está ao alcance de todos. Mamoudou Gassama correu esse risco, demonstrando valores de coragem e de humanismo que honram toda a nação. Bravo!”, acrescentou o chefe de Estado.
Durante a conversa telefónica, Keïta “transmitiu-lhe todo o orgulho que o Mali sente perante o seu ato”, disse o diretor de comunicação da presidência, Tiegoum Boubeye Maïga, embora considerando que “não é surpreendente quando se conhece o homem maliano”.
Um médico maliano a fazer o internato num hospital de Bamako, Sylvain Poudiougou, de 37 anos, criticou, por seu lado, “a recuperação política” por parte do Governo francês.
“Porquê todo este barulho em torno deste caso? Tapete vermelho no Eliseu e um pouco por todo o lado. É preciso não esquecer que, ao mesmo tempo, em França – e sobretudo em Paris – se preparam para deportar centenas de estrangeiros em situação irregular”, declarou o clínico, citado pela agência noticiosa francesa AFP.
Para Oumar Gassama, que indicou ser originário da mesma aldeia que o herói desta história, no oeste do Mali, “ele mostrou que nós somos pessoas de bem”.