Por Igor Lopes
Uma extensa lista de especialistas, pesquisadores, escritores, jornalistas, professores, historiadores, autoridades e acadêmicos do Brasil, Espanha e Portugal estiveram reunidos entre os dias 18 e 20 de abril em Florianópolis, no Sul do Brasil, durante o Congresso Internacional sobre os 270 anos de presença açoriana em Santa Catarina: Mar, História, Patrimônio, Literatura e Identidade, organizado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (IHGSC) e pela Academia Catarinense de Letras (ACL). O objectivo do evento foi “fomentar o panorama de aproximação entre os Açores e o Sul do Brasil, desenvolver parcerias e fortalecer acordos entre as comunidades e instituições dos países envolvidos”. Centenas de participantes prestigiaram a realização do certame, inédito no tema em estudo.
A cerimônia de abertura do Congresso, no auditório do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, ficou marcada pela presença do presidente do governo regional dos Açores, Vasco Cordeiro, que estava acompanhado por uma comitiva composta por deputados e autarcas do arquipélago. No local estiveram também o governador de Santa Catarina, Eduardo Moreira, o prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro, e Augusto Zeferino, presidente do IHGSC.
Vasco Cordeiro frisou o empenho em manter vivas as tradições açorianas no estado catarinense.
“Em Santa Catarina, se percebe que a Cultura, a Identidade e a História do nosso Povo é construída a partir das ações, das interações sociais, e que, estando um açoriano onde estiver, fazendo o que quer que faça, estará sempre construindo uma história de vida, onde os hábitos e costumes, as manifestações e expressões ou os sentimentos estão sempre lá, puxando para o lado do apego à terra, mesmo que essa terra possa ser apenas um cenário contado pela avó ou pela mãe, passado de boca em boca, como um pequeno tesouro guardado. É esse patrimônio cultural, humano e histórico que vibra na passagem de 270 anos de presença açoriana em Santa Catarina. É esse patrimônio que dá um sentido novo e aberto de esperança, que não se fecha em conservadorismos, nem nos amarra ao passado, mas que antes nos lembra a necessidade de sermos legítimos, orgulhosos e felizes por sermos açorianos”, ressaltou Vasco Cordeiro, durante discurso.
Em entrevista exclusiva à nossa reportagem, o presidente açoriano disse ter um olhar muito positivo sobre a realização do Congresso.
“Acho importante que a presença açoriana no Sul do Brasil seja também tratada ao nível científico e académico. O Congresso tem uma vantagem que é ajudar a reavivar a presença açoriana no estado de Santa Catarina”, referiu Vasco Cordeiro.
A organização do evento procurou manter em destaque as principais temáticas que ligam os Açores ao Brasil. E o resultado agradou.
“O Congresso alcançou todos os seus objetivos, desde um público apreciável nos dois dias de conferências, falas de excelente qualidade, acadêmica e científica, e acordos e protocolos entre instituições dos Açores e de Santa Catarina. Um ponto interessante foi o convite do presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, José Bolieiro, para que a viagem inaugural do Veleiro ECO, da Universidade Federal de Santa Catarina, aconteça tendo os Açores como destino, num exemplo de protocolo científico que poderá render bons frutos”, revela Luiz Nilton Corrêa, membro do IHGSC e um dos organizadores do encontro em Florianópolis.
Lélia Pereira Nunes, membro da ACL e também organizadora do evento, ressaltou estar feliz com a grande presença do público, com a interação durante o Congresso e com a qualidade das discussões.
“Foram dois dias de intenso diálogo. A ideia foi agregar vozes oriundas de todas as partes, tendo como parte comum os Açores”, reforçou essa professora.
Audiência e palestrantes aprovaram encontro
“O Congresso reuniu um elenco de estudiosos e de autoridades políticas de Santa Catarina e Açores, mas também de outros estados brasileiros e de regiões de Portugal continental, além da Espanha. Isto, sem dúvida, garantiu ao Congresso qualidade internacional, algo importante nestes eventos, que não são muito frequentes em Santa Catarina”, comentou Ángel Barrio, da Universidade de Salamanca, na Espanha.
Este responsável acredita que o evento foi “um marco nas actividades do IHGSC”, já que conjugou actividades culturais, visitas a museus, exposições, conferências e workshops, bem como palestras e mesas temáticas.
“Eventos como esse são essenciais para dar visibilidade aos trabalhos e para promover a conexão com os pesquisadores. A dimensão política é igualmente importante, já que houve a promoção de geminações e ações de cooperação e conhecimento mútuo. Sem dúvida o nível intelectual foi muito alto e isso se deve em grande parte à direção do Dr. Luiz Nilton Correa, verdadeiro homem-ponte entre Santa Catarina e Açores. Na minha vida acadêmica, realizei mais de 25 congressos internacionais de Antropologia da Iberoamerica em vários países da América Latina e posso dizer que o evento em Florianópolis não fica atrás de nenhum desses e até mesmo supera muitos dos quais participei, mais de 123 desde 1983”, finalizou o docente espanhol, que palestrou sobre formação e transformação dos símbolos, ritos e identidades nas culturas transatlânticas, na conferência final do evento.
“O congresso foi muito interessante e atual. Trataram-se temáticas novas e apertaram-se os laços que unem catarinenses e açorianos. Gostaria de ter visto uma maior participação da Universidade Federal, bem como mais algum espaço para debate. Todavia não tenho dúvida de que as atas a publicar constituirão um valioso contributo para o estudo da herança açoriana em Santa Catarina”, comentou o professor Artur de Mattos, da Universidade Nova de Lisboa, que palestrou sobre a honra de uma herança entre Açores e Santa Catarina.
Por sua vez, Elis Ângelo, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, que apresentou trabalho na mesa sobre Açores na historiografia catarinense, sublinhou que “o congresso foi muito produtivo, além de trazer variadas discussões sobre a imigração e as suas diversas inquietações. No âmago das possibilidades, abre portas para ampliar relações e estreitar os laços entre os países, fortalecendo a interculturalidade e as identidades dos açorianos de lá e os açorianos de cá”.
Mario Lima, da Universidade de Salamanca, reforçou que, “pela variedade temática e os eixos que conseguiu estabelecer, sem evitar inclusive uma abordagem mais crítica das questões como a identidade cultural, aculturação, tradição e tradição inventada, a avaliação do congresso é positiva”. Ainda segundo ele, que falou no Congresso sobre identidade cultural e patrimônio, “o facto de o evento ter sido multidisciplinar – história, sociologia, arquitetura, literatura e outras áreas – facilitou ao público a mostra da riqueza do contacto entre povos, no caso o português (o açoriano em particular) e o brasileiro (o catarinense em particular)”.
Na plateia, a escritora Tereza da Silva diz ter assistido a um congresso “de alto nível, com conferencistas e palestrantes excelentes, especialmente os que vieram de além-mar”, onde foi possível recuperar “muitíssimo da nossa história, de modo particular, e onde se revive a saga dos nossos antepassados, os primeiros bravos emigrantes açorianos”.
Andréa Duarte, outra participante, disse que o Congresso foi “magnífico” e que possibilitou aos ouvintes refletirem “sobre a importância de aprimorar o nosso saber e gratidão às raízes que nos ligam aos nossos antepassados, já que recebemos herança de hábitos e costumes que nos foram transmitidos de geração em geração por palavras e atitudes”.
Na opinião de Sérgio Prosdócimo, ator e diretor da companhia Gira-Teatro, o Congresso possibilitou o debate com proposições que intensificam o estreitamento e fortalecimento de relações históricas, sociais, culturais, oceanográficas e econômicas na integração entre Santa Catarina e Açores.
Palestrantes renomados
Da parte portuguesa, palestraram Artur de Mattos, da Universidade Nova de Lisboa; José Andrade, da Comissão Municipal de Toponímia de Ponta Delgada; Rui Prieto, João Porteiro e Gilberta Rocha, da Universidade dos Açores; Álamo de Oliveira, Poeta e Escritor; José Bolieiro, autarca de Ponta Delgada; e Afonso Rocha, da Magazine Literário “Correntes de Escritas”.
Pelo lado brasileiro, apresentaram trabalhos José Gentili, da Academia das Ciências de Lisboa; Luiz de Assis Brasil, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Deonísio da Silva, da Academia Brasileira de Filologia; Dalmo Filho, da Universidade Federal de Santa Catarina; Luiz Corrêa, do IHGSC; Lélia Nunes e Celestino Sachet, ambos da ACL; Moacir Pereira, do Jornal Diário Catarinense; Carlos Damião, do Jornal Notícias do Dia; Claudio Paraíso, jornalista e comentarista do Sbt-Sc; Orestes Alarcon, da Universidade Federal de Santa Catarina; Betina Adams, do Conselho Estadual de Cultura; Cláudio Silveira, do Instituto Histórico e Geográfico de Lages; Cristina Piazza, da Universidade Federal de Santa Catarina; Paulo Scott, escritor; Paulo Lopes, Univ. Federal de Santa Catarina; Mario Lima, da Sociedad Iberoamericana de Antropología Aplicada; Arlete Monteiro, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Elis Ângelo, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; Sérgio Ferreira, da Casa dos Açores de Santa Catarina; Vanessa Pereira, da Fundação Catarinense de Cultura; Joi Cletison, do Núcleo de Estudos Açorianos; Ana Coutinho, da Universidade de Salamanca; Juçara Nair Volff, Arquivo Público do Estado de Santa Catarina; e Nereu Pereira, do IHGSC.
Temas abrangentes
Em relação ao Mar, foram discutidos temas como Atlântico: Passado e Futuro, Açores e Brasil no Atlântico, Geopolítica Atlântica e História Insular e Atlântica. No campo do Património, houve especial atenção para as Políticas Públicas: Património Cultural, Património Material e Imaterial, Preservação e Divulgação e Festas Populares: Açores/Santa Catarina. No que toca à questão da identidade, as palestras concentraram-se em Identidade e Açorianidade, a Construção da Identidade, Cultura Popular “Açoriana” e Açorianos: Portugueses e Brasileiros.
Houve espaço ainda para traçar um panorama histórico, com foco nos 270 Anos de Presença Açoriana em Santa Catarina, a Historiografia Açoriana, Brasil e Açores: Disputas e Fronteiras, Santa Catarina e Açores na História, Cronistas e Historiadores e a relação entre o IHGSC e os Açores: 120 Anos de História. Por fim, a literatura reservou espaço para tratar de Santa Catarina nos Jornais Açorianos, Açores nos Jornais Catarinenses, Cartas, E-mails e Comunicação, Jornalismo e a Diáspora e Notícias, Cronistas e a Saudade e a Literatura Açoriana.
Visita cultural
O primeiro dia do Congresso, 18, ficou reservado para visitas culturais a localidades com traços da influência açoriana em Santa Catarina. O primeiro local a ser conhecido foi a freguesia de São Miguel da Terra Firme, onde os participantes conheceram a Casa dos Açores e Museu Etnográfico de Santa Catarina, mantida pela Fundação Catarinense de Cultura. Mais tarde, foi a vez de caminhar em meio ao charme da freguesia de Santo António de Lisboa. No final do primeiro dia, houve espaço também para a abertura da exposição “O olhar açoriano de Willy Zumblick”, no Espaço Cultural do Tribunal de Contas de SC. Nos restantes dias, 19 e 20, foi a vez de levar a discussão para o meio acadêmico.