Mundo Lusíada
Com Lusa
O antigo secretário-geral do PS e ex-primeiro-ministro José Sócrates anunciou dia 04 a desfiliação do partido para acabar com um “embaraço mútuo”, após críticas da direção que, na sua opinião, ultrapassam os limites do aceitável.
Num artigo publicado no Jornal de Notícias, José Sócrates, principal acusado na Operação Marquês, de vários crimes econômico-financeiros, nomeadamente corrupção e lavagem de dinheiro, diz que está a ser alvo “uma espécie de condenação sem julgamento”.
O anúncio de José Sócrates, que aderiu ao PS em 1981, surge depois das declarações do líder parlamentar, Carlos César, de vários militantes do PS e do primeiro-ministro e atual secretário-geral socialista, António Costa, que disse na quinta-feira que ninguém está acima da lei.
O presidente do PS e líder parlamentar socialista, Carlos César, tinha afirmado esta quarta-feira em declarações à rádio TSF que o partido se sente “envergonhado” com as suspeitas que recaem sobre Manuel Pinho, antigo ministro da Economia do Governo de José Sócrates, salientando que a “vergonha é ainda maior” no que diz respeito ao processo de Sócrates por se tratar de um antigo primeiro-ministro.
“Sou agora forçado a ouvir o que não posso deixar de interpretar como uma espécie de condenação sem julgamento. Desde sempre, como seu líder, e agora nos momentos mais difíceis, encontrei nos militantes do PS um apoio e companheirismo que não esquecerei. Mas a injustiça que agora a direção do PS comete comigo, juntando-se à direita política na tentativa de criminalizar uma governação, ultrapassa os limites do que é aceitável no convívio pessoal e político”, sublinhou Sócrates.
“Considero, por isso, ter chegado o momento de pôr fim a este embaraço mútuo. Enderecei hoje uma carta ao partido Socialista pedindo a minha desfiliação do partido”, anuncia no artigo de opinião.
José Sócrates salienta que “durante quatro anos” não ouviu “por parte da direção do PS uma palavra de condenação sobre os abusos” de que se diz alvo.
No artigo de opinião, critica a justiça e nega que o nome de Manuel Pinho para fazer parte do seu Governo tenha sido sugerido pelo antigo presidente do Grupo Espírito Santo, Ricardo Salgado.
O caso que envolve o ex-ministro da Economia foi noticiado, em 19 de abril, pelo jornal Observador, segundo o qual há suspeitas de Manuel Pinho ter recebido, entre 2006 e 2012, cerca de um milhão de euros.
Os pagamentos, de acordo com o jornal, terão sido realizados a “uma nova sociedade ‘offshore’ descoberta a Manuel Pinho, chamada Tartaruga Foundation, com sede no Panamá, por parte da Espírito Santo (ES) Enterprises — também ela uma empresa ‘offshore’ sediada no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas e que costuma ser designada como o ‘saco azul’ do Grupo Espírito Santo.
No artigo, o antigo primeiro-ministro reafirma que o Ministério Público deve “provar o que diz”. “Não, não pactuo com a operação em curso de inverter o ônus da prova como, de forma geral, os jornalistas e os ativistas disfarçados de comentadores têm feito: o primeiro dever de um Estado decente é provar as gravíssimas alegações que faça seja contra quem for, ainda que estas tenham sido, como habitualmente feitas pela comunicação social”, disse.
No entender de José Sócrates diz que “não é o próprio que tem de se defender ou de provar que é honesto ou inocente; é quem acusa que tem o dever de provar o que diz”.
“Estranhos tempos estes em que lembrar o princípio estrutural do Direito moderno, a presunção de inocência, se confunde com a defesa seja de quem for”.
José Sócrates esclarece que a escolha que fez de “Manuel Pinho como porta-voz do PS para a área da economia, e mais tarde para o Governo, aconteceu naturalmente na decorrência da colaboração que este há muito prestava na condição de independente, ao PS, como conselheiro econômico, do então líder Ferro Rodrigues”.
“Foi aí, nessa condição de membro do chamado grupo econômico da Lapa (por reunir regularmente no Hotel da Lapa), que o conheci e que desenvolvemos um trabalho comum que viria a culminar no convite que lhe fiz”, disse.
Marca positiva
Comentando o ocorrido na Assembleia da República, o líder parlamentar do PS, Carlos César, diz que a decisão de José Sócrates em sair do partido foi tomada “de forma responsável e livre” e usou o direito que lhe assiste.
“José Sócrates deixou uma marca positiva como primeiro-ministro”, considerou o presidente do partido. “O PS orgulha-se do seu contributo ao longo de toda a história democrática para o progresso do nosso país e em especial nas circunstâncias em que o PS assumiu responsabilidades governativas”, destacou.
Aos jornalistas, Carlos César disse que a atitude do PS em relação a estes casos não mudou, salientando o compromisso do partido com a transparência e o princípio de separar as questão judiciais das questões políticas.
“O que nós dissemos e continuamos a dizer é que, em circunstâncias que envolvam suspeitas e acusações de atos graves, da parte do PS haverá desde logo e sempre uma preocupação”, explicou.
Vitimização
Já a eurodeputada socialista Ana Gomes considerou que o pedido de desfiliação por Sócrates serve “a estratégia de vitimização” que o antigo primeiro-ministro tem escolhido para fazer face a “acusações graves” de vários crimes econômico-financeiros.
“Obviamente que essa carta de Sócrates serve a estratégia de vitimização que ele tem escolhido para fazer face às acusações graves que contra ele pendem, portanto, não é nada de estranho [o pedido de desfiliação]”, disse Ana Gomes.
Para Ana Gomes, o PS tem agora de refletir e identificar o que falhou nos seus controles internos e externos “para se credibilizar junto do povo português”.
“Só espero é que esta atitude de Sócrates facilite e estimule o PS a fazer o exercício de introspecção que é imperativo e que não pode mais ser adiado face ao que se sabe já e ao que ainda não se sabe sobre a teia de corrupção que tinha em Sócrates um ponto central”, destacou.
No entender de Ana Gomes, o PS tem “de fazer de tudo para não permitir mais este tipo de comportamentos e acionar os mecanismos externos e internos para combater a corrupção”.