Da Redação
Com Lusa
Neste 25 de Abril, o Presidente português defendeu que é imperativo afirmar o “papel estruturante das Forças Armadas” para a unidade nacional e alertou contra “messianismos de um ou de alguns”, insistindo na importância de renovar o sistema político.
Estas foram as duas mensagens principais do discurso de Marcelo Rebelo de Sousa na sessão solene comemorativa do 44.º aniversário do 25 de Abril na Assembleia da República, que durou cerca de quinze minutos, e no qual voltou a alertar para o perigo de fenômenos de “contestação inorgânica e antissistêmica e de ceticismo contra os partidos”.
O chefe de Estado apelou, uma vez mais, à “capacidade de renovação do sistema político e de resposta dos sistemas sociais, de antecipação de desafios, de prevenção de erros ou omissões”, mas colocou a tônica no “equilíbrio de poderes”, alertando contra “messianismos de um ou de alguns, alegadamente para salvação dos outros”.
Marcelo Rebelo de Sousa pediu que não se deixe espaço para “tentações perigosas de apelos populistas e até de ilusões sebastianistas messiânicas ou providencialistas”.
Depois, referiu-se a “apelos e ilusões” de um “poder forte sonhado, seja ele de uma pessoa, de um partido, de um grupo econômico, de um parceiro social, de uma instituição público-privada”.
“Não confundimos o patriotismo de que nos orgulhamos com hipernacionalismos claustrófobos, xenófobo que nos envergonhariam. Nem confundimos o prestígio ou a popularidade mais ou menos conjuntural de um ou mais titulares de poder com endeusamento ou vocação salvífica”, reforçou.
Antes, o Presidente da República defendeu que “a instituição militar, algumas vezes apressada e erroneamente vista por alguns como reminiscência do passado e não como garantia do presente e aposta no futuro, mantém, para não dizer que reganha centralidade, quando se reforça a democracia ou mais amplamente se constrói a unidade nacional”.
“Afirmá-lo sempre é imperativo, agir em conformidade é-o ainda mais”, disse.
O seu discurso foi aplaudido de pé, no final, pelos grupos parlamentares do PS, PSD e CDS-PP. Momentos depois, as bancadas do PCP e BE levantaram-se também, sem bater palmas.
Marcelo Rebelo de Sousa estruturou a sua intervenção a partir do centenário do fim da I Guerra Mundial e da participação portuguesa nesse conflito, considerando que “alguns traços” desse período, que antecedeu cinco décadas de ditadura em Portugal, “poderão suscitar reflexões para outras épocas”.
“Primeira reflexão: a Europa perdeu sempre ao dividir-se e ganhou, pouco que fosse, ao unir-se”, declarou.
“Segunda reflexão: as Forças Armadas constituem um fator nuclear de identidade nacional, nos tempos de bonança como nos de provação, tão forte que, há cem anos, os agravos que sofreram aceleraram o fim da I República, mesmo se tornaram impossível o regresso a um regime monárquico. Tão forte hoje que se configura como indissociável da democracia”, acrescentou.
A sua “terceira reflexão” foi sobre a importância da “renovação do sistema político português” e do “equilíbrio de poderes”.
“No dia em que se rompesse o equilíbrio de poderes a que a nossa Constituição chama separação e interdependência de poderes, estaríamos a entrar em terreno perigosíssimo propício ao deslumbramento, ao autoconvencimento, à arrogância, ao atropelo da própria Constituição, das leis e dos direitos das pessoas”, afirmou.
Segundo o chefe de Estado, “o papel estruturante das Forças Armadas, a necessidade constante de renovação do sistema político, a criação sustentada de condições de crescimento e emprego, a aguda perceção da realidade social e, nela, da pobreza, do seu risco e das desigualdades pessoais e territoriais” são fatores de reforço da unidade nacional.
Assim como “o eficiente combate à corrupção, nas pessoas e nas instituições, a sistemática prevenção dos messianismos de um ou de alguns, alegadamente para salvação dos outros”.
No início do seu discurso, Marcelo Rebelo de Sousa enalteceu a Revolução dos Cravos e considerou que há que “agradecer uma, dez, vinte, trinta, 40, 44 vezes, e todas as que se sigam no futuro, aos capitães de Abril”.
Dirigindo-se aos capitães de Abril presentes e recordando “todos quantos já partiram”, assegurou: “Não esquecemos, não omitimos, não apagamos”.
No final, relembrou a I Guerra Mundial e a ditadura que se lhe seguiu, enaltecendo uma vez mais o 25 de Abril, que lhe pôs fim: “Foi esse modelo injusto, repressivo e impossível, sonhado em 26, 33 e 40 como resistente a tudo e a todos, que soçobrou em 1974, ou melhor, se esgotou muito antes, mas só viu certificada nessa data, pela mão corajosa dos capitães de Abril, o seu esvaziamento”.
Ferro Rodrigues elogia presidente
Também o presidente da Assembleia da República fez o elogio dos “compromissos estratégicos” que vão “além das legislaturas” e o contributo do chefe do Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, na recuperação do “clima de confiança” no país. Em seu discurso, lembrou o golpe dos capitães de Abril que, abriram caminho para “um Portugal democrático, solidário e aberto à Europa e ao Mundo”.
Duas semanas depois de assinado o acordo entre o PSD e o Governo em matéria de fundos comunitários e descentralização, Ferro Rodrigues afirmou que Portugal tem “desafios estratégicos próprios que vão além do tempo das legislaturas e que devem ser abraçados desde já, com o maior consenso possível”.
Para o presidente do parlamento e ex-líder do PS, os “compromissos estratégicos em nada prejudicam as divergências programáticas existentes”.
“Pelo contrário. Quem está seguro dos pontos de divergência está, também, em melhores condições para se entender naquilo que ultrapassa as grandes orientações de política econômica e social”, afirmou, acrescentando que a democracia tem “momentos de compromisso” mas que “não dispensa o confronto das alternativas”.
“Julgo até que a saúde do nosso sistema partidário assenta, justamente, nesta capacidade de gerar alternativas claras”, disse ainda, elogiando a capacidade de gerar soluções da democracia portuguesa, “mesmo nas condições mais difíceis”.
Pouco antes no discurso, Ferro Rodrigues fez um elogio a Marcelo rebelo de Sousa, sentado a seu lado na tribuna principal do hemiciclo, pelo papel que teve na “recuperação da confiança” no país depois dos anos de intervenção da “troika”.
“Digo-o aqui ao seu lado, e digo-o onde for preciso. Tem uma importante quota-parte nos méritos dos resultados de Portugal nos últimos anos. E uma relação exemplar com a Assembleia da República e os outros órgãos de soberania”, concluiu.
No seu discurso, Ferro Rodrigues lembrou que, em 44 anos, Portugal “desenvolveu-se bastante”, dizendo que “é impressionante o caminho feito”.
No entranto, apesar de toda a evolução, e de indicadores positivos, há estatísticas que continuam a preocupar Ferro Rodsrigues.
Portugal pode ter atingido o “nível de pobreza mais baixo de sempre”, mas continua a ser o país “com mais desigualdade na União Europeia”, exemplificou. Um país “marcado por níveis elevados de pobreza e desigualdade é um país com contas menos equilibradas e com menos potencial de crescimento”.
E deixou a pergunta: “Damos tanta visibilidade às entidades dedicadas à avaliação dos déficits econômicos… Por que razão não havemos de ouvir com a mesma atenção o que nos dizem aqueles que se dedicam aos déficits sociais?”
Ferro afirmou ainda que é “ao nível das desigualdades econômicas e sociais que o desempenho democrático tem de melhorar” e que no último Eurobarómetro, “96% dos portugueses consideram excessivas as diferenças de rendimentos” no país.