Da Redação
Com Lusa
O cineasta Jorge Vaz Gomes está fazendo um filme sobre o seu bisavô, que combateu na Primeira Guerra Mundial, na França, e que, como muitos “soldados desconhecidos”, não é “sequer uma nota de rodapé na história”.
“Soldado Nobre” é o título do documentário que vai ser uma longa-metragem, mas a versão curta do filme, “uma maquete de 20 minutos”, vai ser apresentada, dia 07 de abril, em Neuve-Chapelle, no norte de França, durante as comemorações da Associação Memória Viva do centenário da participação portuguesa na Grande Guerra 1914-1918.
“O meu bisavô não é sequer uma nota de rodapé na história. Eu, contrariando esta ideia das grandes correntes historiográficas que os grandes acontecimentos e as grandes personalidades é que devem fazer parte dos anais, enquanto bisneto dele e realizador, também reivindico esse direito de ele ficar, não sei se para a História, mas para a memória, pelo menos”, explicou à Lusa Jorge Vaz Gomes.
Em 1917, Francisco Nobre foi enviado para França, no seio do Regimento de Infantaria 12, para integrar o Corpo Expedicionário Português (CEP), anos depois de ter ficado órfão e de ter pedido alistamento no exército, “porque não tinha outro meio de subsistência”.
Na Flandres francesa, o soldado Nobre sobreviveu à Batalha de La Lys, considerada uma das piores derrotas militares de Portugal, mas, meses depois, foi vítima de um ataque com gases, declarado inapto e enviado para Lisboa, onde chegou 14 dias antes do final da guerra.
Morreu em 1923, devido “ao problema de pulmões que trouxe das trincheiras”, e para trás ficava uma vida com “nada de heroico”, “completamente desgraçada, cheia de sofrimento durante a Primeira Guerra e nos anos a seguir”, quando “ficou alcoólico, violento e com pesadelos constantes que o atiravam para debaixo da cama com falta de ar”, contou Jorge Vaz Gomes.
O filme parte de uma fotografia de grupo do Regimento de Infantaria 12, na qual há vários soldados da aldeia de Alfaiates, no concelho do Sabugal, de onde era o seu bisavô, mas “como já não há ninguém vivo que o tenha conhecido, ninguém o consegue identificar na imagem”.
“Aquilo que foi um problema inicial para o filme, acabou por se tornar na estrutura do próprio filme, que consiste na procura da imagem daquele homem. Essa procura é literal mas também metafórica, é tentar saber quem foram estes homens, como se vivia na altura, porque é que foram para a guerra”, continuou o realizador de 37 anos.
Além de questionar a fotografia como representação, documentação e transmissão da memória, o filme é, também, uma homenagem a todos os “soldados desconhecidos” que foram para as trincheiras.
“Eles sofreram todos da mesma maneira e eu, sem tirar qualquer proveito patriótico pessoal – até porque do ponto de vista patriótico aquilo foi uma vergonha para Portugal porque correu muito mal -, ao homenagear o meu avô, acho que homenageio os soldados todos desconhecidos”, afirmou.
O convite para apresentar a versão curta do documentário numa das localidades por onde passou o CEP, nas vésperas das comemorações oficiais do centenário da famosa e fatídica Batalha de La Lys, vai ser uma oportunidade para Jorge Vaz Gomes continuar as rodagens.
“Aquilo que eu vou tentar fazer é ‘apalpar’ a passagem dele por aquelas terras. Quero filmar os sítios onde o regimento dele esteve, falar com algumas pessoas, filmar estes eventos da Associação Memória Viva, a questão das comemorações oficiais e não oficiais. Vou também à procura da parede onde a fotografia de grupo foi tirada, porque também quero que o documentário tenha um lado poético”, acrescentou.
Ilustrando como referência o documentário sobre o holocausto “Shoah” (1985), do realizador francês Claude Lanzmann, Jorge Vaz Gomes explicou que está a filmar os locais por onde teria passado o bisavô, há 100 anos, e que “o único material de arquivo” que usa é a fotografia de grupo dos soldados e as fichas militares do antepassado.
Quebrando códigos visuais associados ao passado e ao presente, o realizador opta pelo preto e branco para as imagens de hoje, e dá cor às poucas imagens de arquivo.
O documentário é produzido pela Kintop, produtora, por exemplo, do documentário “48”, de Susana Sousa Dias, que, em 2010, venceu o Grande Prêmio do festival do documentário Cinéma du Réel, em Paris, e também produtora de “A Ilha dos Ausentes” e “O Pão que o Diabo Amassou”, do realizador José Vieira, especialista em temas da emigração.