Da Redação com agências
Este início de 2018 mostra as diferentes formas de interpretação para governos de Portugal e Brasil no que se refere ao financiamento público para partidos políticos. Enquanto que em Portugal (02/01) o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa vetou as alterações à lei do financiamento dos partidos políticos, no Brasil o presidente Michel Temer sancionou (03/01) Orçamento de 2018 com previsão de R$ 1,7 bi para fundo eleitoral, no mesmo momento que vetou a estimativa de recurso extra de R$ 1,5 bilhão para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Em Portugal, segundo a nota publicada na página da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa “decidiu devolver, sem promulgação, o Decreto da Assembleia da República n.º 177/XIII, respeitante ao financiamento partidário, com base na ausência de fundamentação publicamente escrutinável quanto à mudança introduzida no modo de financiamento dos partidos políticos”.
O veto presidencial obriga os deputados a duas opções: ou alteram o diploma para ultrapassar as dúvidas do chefe do Estado ou confirmam a lei com uma maioria alargada de dois terços.
O Presidente da República não enviou o diploma aprovado pelo PS,PSD, PCP, BE e PEV para o Tribunal Constitucional para fiscalização preventiva, pelo que tinha até 11 de janeiro para vetar ou promulgar o diploma que teve apenas a oposição do CDS e do PAN.
O parlamento português aprovou no dia 21, em votação final, alterações à lei do financiamento dos partidos, com a oposição do CDS-PP e do PAN, que discordam do fim do limite para a angariação de fundos.
Há mais de um ano que o presidente do Tribunal Constitucional solicitou ao parlamento uma alteração no modelo de fiscalização para introduzir uma instância de recurso das decisões tomadas.
Com as alterações agora introduzidas, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) passa a ser a responsável em primeira instância pela fiscalização das contas com a competência para aplicar as multas e sanções. Se os partidos discordarem, podem recorrer, com efeitos suspensivos, da decisão da ECFP, para o plenário do Tribunal Constitucional.
Contudo, além desta e outras alterações de processo, o PS, PSD, PCP, BE e PEV concordaram em mudar outras disposições relativas ao financiamento partidário, entre os quais o fim do limite para as verbas obtidas através de iniciativas de angariação de fundos e o alargamento do benefício da isenção do IVA a todas as atividades partidárias.
Até agora, os partidos podiam requerer a devolução do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado), mas apenas para atividades diretamente relacionadas com a propaganda.
Publicidade e transparência
O Presidente português exigiu que a legislação sobre financiamento dos partidos seja feita com publicidade dos seus motivos e transparência, e demarcou-se pessoalmente de parte das alterações incluídas no diploma que vetou na terça-feira.
Na mensagem enviada à Assembleia da República, que acompanha o seu veto, Marcelo Rebelo de Sousa refere que “o fim de qualquer limite global ao financiamento privado e, em simultâneo, a não redução do financiamento público, traduzida no regime de isenção do IVA” foram normas incluídas no diploma sem fundamentação e constituem “uma mudança significativa” no regime em vigor, “tudo numa linha de abertura a subida das receitas, e, portanto, das despesas dos partidos”.
“Independentemente da minha posição pessoal, diversa da consagrada, como Presidente da República não posso promulgar soluções legislativas, consabidamente essenciais, sem mínimo conhecimento da respetiva fundamentação”, lê-se no documento.
O chefe de Estado devolve ao parlamento o diploma aprovado por PSD, PS, BE, PCP e PEV “em homenagem ao papel constitucional dos partidos políticos, exigindo-se neste domínio particular publicidade e transparência, que obste a juízos negativos para a credibilidade de tão relevantes instituições democráticas, juízos esses que alimentem populismos indesejáveis”.
“A democracia também é feita da adoção de processos decisórios suscetíveis de serem controlados pelos cidadãos. A isso se chama publicidade e transparência”, afirma.
O Presidente da República distingue os “dois tipos de matérias” contidas no decreto: “Uma, que esteve na base da sua elaboração, respeita a fiscalização das finanças partidárias pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e pelo Tribunal Constitucional. Esta parte resultou da chamada de atenção e, depois, decisivo contributo do Tribunal Constitucional, num processo que acompanhei desde a primeira hora e no qual, apesar do caráter técnico das alterações, existiu mínima justificação nos trabalhos parlamentares”.
Quanto a este ponto, considera que a exposição de motivos do projeto “permite compreender o alcance das inovações introduzidas, de resto, objeto de expressa, mesmo se sucinta, menção em plenário”, no dia 21 de dezembro, quando as alterações à lei do financiamento dos partidos foram debatidas e aprovadas em votação final global, com votos contra de CDS-PP e PAN.
Marcelo Rebelo de Sousa salienta que, no entanto, foram acrescentadas ao diploma “outras disposições avulsas, duas das quais especialmente relevantes, por dizerem respeito ao modo de financiamento e por representarem, no seu todo, uma mudança significativa no regime em vigor”, relativas ao limite global do financiamento privado e à isenção de IVA.
“Ao contrário do sucedido com a outra parte do diploma, quanto às disposições mencionadas não existe uma palavra justificativa na exposição de motivos. Mais ainda: não existiu uma palavra de explicação ou defesa no debate parlamentar em plenário, o único, no caso vertente, passível de acesso documental pelos portugueses”, critica.
O chefe de Estado rejeita que numa matéria como esta possa haver uma decisão “sem que seja possível conhecer, a partir do processo de elaboração da lei, a razão de ser da escolha efetuada” pelo legislador.
“Entendo dever a Assembleia da República ter a oportunidade de ponderar de novo a matéria. Isto para que ela possa, nomeadamente, de imediato, proceder ao debate e a fundamentação, com conhecimento público, das soluções adotadas sobre o modo de financiamento partidário. Ou, em alternativa, ao seu expurgo, por forma a salvaguardar a entrada em vigor, sem demora, das regras relativas a fiscalização pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e pelo Tribunal Constitucional”, acrescenta.
Marcelo Rebelo de Sousa defende que “o regime do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais é estruturante para a democracia e essencial para a credibilidade das suas instituições”.
“Quanto a ele, os partidos políticos estão, pela natureza das coisas, obrigados a especial publicidade e transparência, até para não poderem ser, injustamente, vistos como estando a decidir por razões de estrito interesse próprio”, reforça.