Portuguesa expõe “a revolta dos azulejos” no Museu Afro-Brasil em SP

Da Redação

O Museu Afro Brasil, instituição da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo em parceria com a Associação Museu Afro Brasil, inaugurou em 3 de agosto, a exposição “Barroco Ardente e Sincrético – Luso-Afro-Brasileiro”. A mostra, que reúne cerca de 400 obras, é uma homenagem ao Jubileu de 300 anos de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, e traça variadas manifestações do estilo artístico em Portugal e no Brasil, com ênfase em suas expressões em um país miscigenado. Com curadoria de Emanoel Araujo, a exposição introduz o visitante ao espírito do barroco, passando pelas suas referências na cultura erudita e popular, entre os séculos XVII e XIX.

Um dos destaques da exposição “Barroco Ardente e Sincrético – Luso-Afro-Brasileiro”, artista portuguesa Manuela Pimentel está em exposição em São Paulo com a sua “revolta dos azulejos”, e nessa entrevista fala da experiência em expor pela primeira vez no Brasil  e a ressignificação da tradicional azulejaria portuguesa.

A mostra – até 03 de dezembro no Parque Ibirapuera em São Paulo – aborda as contribuições dos dois mais expressivos artistas do barroco brasileiro, que são Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1730?-1814), em Ouro Preto (MG), e Mestre Valentim da Fonseca e Silva (1745-1813), no Rio de Janeiro. O escultor Francisco Xavier de Brito (?-1751), mestre de Aleijadinho, também figura a mostra. Obras sacras de Portugal e criações de autores anônimos, dentro da vertente sincrética do barroco, também fazem parte da mostra, a maioria das peças vieram de acervos diversificados de Portugal e portanto é uma oportunidade encontrá-las reunidas em São Paulo.

Convidada para fazer uma instalação dentro da exposição, a jovem artista portuguesa Manuela Pimentel tem motivos de sobra para festejar a sua primeira mostra no Brasil. Além de ser a única artista contemporânea e única mulher da exposição, Pimentel também tem profundos laços afetivos que a ligam ao Brasil, seus avôs migraram para o país ainda na primeira metade do século XX em busca de melhores oportunidades de vida.

Conhecida pelo modo original com que utiliza as referências da tradicional azulejaria portuguesa em obras que misturam práticas artísticas como a pintura, o desenho e a cenografia, em um movimento que Pimentel chama de “a revolta dos azulejos”, a artista fala sobre o trabalho desenvolvido exclusivamente para a exposição, do impacto de participar desta importante mostra sobre barroco, entre outros temas.

Como está sendo a sua primeira experiência a trabalho no Brasil e como foi o convite para participar da exposição?
Está é a minha primeira experiência de trabalho no Brasil. E este convite surgiu porque no ano passado estive aqui visitando a 32ª Bienal de São Paulo, quando paralelamente estava ocorrendo a exposição Portugal Portugueses, no Museu Afro Brasil. Na ocasião, fui apresentada ao Emanoel Araujo que conheceu o meu trabalho. Mesmo não participando da exposição, ele ficou interessado em conhecer o meu ateliê, em saber mais sobre o meu trabalho, e isso de fato ocorreu. Foi tudo muito rápido, mas o suficiente para ele entender o que eu fazia. Então passou um tempo, ele achou que meu trabalho se encaixava nesta exposição sobre barroco e então aqui estou.

Essa exposição faz muito sentido para mim, pois de alguma forma consigo mostrar uma outra maneira de ver o barroco, com um olhar mais contemporâneo. Meu trabalho é carregado de referência dos azulejos tradicionais portugueses, do azul e branco, de todo os designs dos anjinhos, enfim, são influências que dialogam com aquilo que quero trazer no meu trabalho hoje. Junto com os cartazes que busco nas ruas, esse universo é o mote para a composição da minha história. No fundo é uma revolta do azulejo. Todas fachadas dos prédios, as informações contidas nas ruas sofrem com as influências do dia a dia, das pessoas, da sociedade. E os cartazes, se repararmos bem, são cheios de camadas, assim como nós. Nós somos cheios de camadas, vamos ficando mais velhos e acrescentando camadas a nossa vida. E eu procuro isto na rua. Todas estas características desta quase violência com as paredes me interessa para a construção da minha história. Então acho que consigo fazer uma relação do barroco antigo com este barroco que nos vemos hoje em dia, presente neste amontoado de informações presentes nas ruas.

Como nasceu a sua relação com a tradicional azulejaria portuguesa?
Eu gosto muito de coisas antigas e sou muito ligada a história das coisas. E esta influência começou porque, na verdade, sempre procurei no meu trabalho esta ideia da repetição da imagem. E a repetição da imagem no padrão do azulejo acontece muito, já que você com um desenho pequeno consegue fazer um padrão. Por exemplo, conseguir com uma pequena coisa construir uma parede enorme. E no início do meu trabalho comecei com isso, pois achava muito interessante como que com um pequeno desenho era possível construir todo um padrão, e toda uma só imagem. Então isso foi entrando no meu trabalho de uma forma muito natural. Quando me dei conta estava observando as ruas de uma forma muito carnal, quase que me sentia em casa mesmo estando na rua. O interior para mim estava fora, estava na rua. Talvez também por ser de uma família tradicional, mais recatada e, eu, por ser menina, era ainda mais protegida. Então esta busca da rua era muito forte para mim, era uma rebeldia que eu tive sempre e que fui procurar mais tarde, quando comecei a trabalhar com arte. Posso dizer que os azulejos e os cartazes são formas que eu encontro para contar uma história.

Como é para você ser uma artista contemporânea, que se abastece de múltiplas referências proporcionadas pela globalização, mas que ao mesmo tempo consegue ter uma identificação com a sua origem portuguesa?
Meus pais são de uma região do interior de Portugal. E eu sempre fui muito ligada as coisas antigas, as brincadeiras de rua, a encontrar as histórias das coisas, enfim. Acho que a essência está toda aí, descobrir o que as peças tem para nos contar. Sou muito ligada a casas abandonadas, que estão meio caindo e se sente onde é a cozinha, onde é o quarto, e se consegue entrar dentro da casa de uma maneira que quase se consegue sentir a vivência dentro da casa. Essa essência é aquilo que tento encontrar nesta coisa também de ser portuguesa, na nossa história. Somos um povo de descobertas, de ir a procura das coisas, não se sentir satisfeito com o que tem e ir procurar mais. O Brasil tem este lado em mim em razão dos meus avôs, que vieram para cá faz 70 anos, de barco, demoraram quase um mês para chegar aqui. Quase em todos os portugueses se sente, mesmo estando fora, essa coisa do orgulho de ser português, de não perder o sotaque, de encontrar essa magia que está no sangue da nossa gente. Também tivemos uma influência muito grande com o terremoto em Lisboa que destruiu quase toda a cidade, e que teve de ser novamente construída. E aí teve um senhor, o Marquês de Pombal, que resolveu reconstruir a cidade já com estas fachadas de azulejos, muito porque eles eram mais duráveis, protegiam dos incêndios, tinham toda uma durabilidade que iam fazer as construções durar muito mais. Esses azulejos foram colocados majoritariamente nos palácios e em todos aqueles lugares mais nobres. Na época havia essa tendência em colocar os temas nesses azulejos azul e branco. Ao contrário do que muitas pessoas pensam a palavra azulejo não vem da palavra azul, azulejo é uma palavra árabe. E azul vem da cerâmica chinesa, e todas aquelas peças chinesas nobres, esse azul tão característico vem daí.

Um dos destaques da exposição é a reprodução dos azulejos da igreja da Ordem Terceira de São Francisco (Salvador/BA), que retratam Lisboa antes do terremoto de 1755. Como é para você participar de uma exposição fora do seu país, mas que ao mesmo tempo diz tanto sobre ele? 
É um grande privilégio fazer parte de uma exposição que me diz tanto. É como se eu estivesse mostrando para os contemporâneos de hoje, que nós vivemos na nossa história e que tudo que a gente tem vem lá de trás. E esta minha relação com os azulejos tradicionais portugueses é um reinventar dos azulejos, criar sobre o que já foi feito, para não se perder este pedaço da história. Para fazer o painel que vou apresentar na exposição, pensei em muitas coisas que poderia trazer para cá, mas o que achei mais interessante foi fazer algo relacionado ao que estamos vivendo hoje que é essa dualidade entre o bem e o mal. Então fui buscar elementos dessa dualidade que é individual de cada um de fazer a sua escolha, então você pode ir para o bem como pode ir para o mal. Eu queria através desses desenhos antigos mostrar que eles ainda são muito presentes hoje. São referências de trabalhos produzidos há muito tempo com o mesmo tema e que na verdade ainda está muito vivo hoje. É como um ciclo, você dá a volta e vai bater no mesmo lugar.

Você está trabalhando em São Paulo, mas a matéria prima do seu trabalho vem de Portugal. Nos fale um pouco sobre este processo.
Neste momento eu tenho meu ateliê no Porto, em Portugal, e eu trabalho com toda a influência que está próximo de mim. Então tem trabalhos meus que tem coisas (cartazes) do Porto, e outros com coisas de outras cidades que eu vou trazendo. Provavelmente quando eu chegar no ateliê eu já levei coisas daqui para fazer lá. Mas aqui, neste trabalho específico, como será a primeira vez que eu vou me apresentar aqui, eu achei que fosse mais interessante os cartazes virem comigo de lá, com as palavras dos cartazes em português de Portugal. Teve um momento que pensei em colocar metade daqui e metade de lá. Mas achei eu achei importante que neste trabalho específico fossem só coisas de lá. O interessante deste trabalho é justamente o fato de eu estar fazendo aqui, no Brasil.

Quais são as suas referências artísticas?
Tem dois clássicos que foram desde sempre uma inspiração, pois no meu trabalho eu desenho muita figuração, são eles: Monet e Modigliani. Os neorrealistas franceses. Entre os portugueses contemporâneos destaco Paula Rego, Helena Almeida, Julião Sarmento e Lourdes de Castro.

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