Por Carlos Fino
O desconforto da Europa com os EUA de Trump atingiu esta semana o seu ponto mais elevado até agora.
Primeiro, no encontro anual do G7, realizado em Taormina, na Sicília, o presidente americano recusou-se a subscrever as ideias de reforço do livre comércio mundial, queixando-se da desvalorização do euro em relação ao dólar, altamente vantajosa para as exportações alemãs.
Depois, em Bruxelas, na inauguração da nova sede da NATO, admoestou publicamente os aliados por estes não estarem, na sua grande maioria, a aplicar em defesa pelo menos 2% dos respectivos orçamentos anuais, como fora estabelecido entre todos.
Por fim, quinta-feira, chegava o anúncio oficial da Casa Branca de que os EUA se vão retirar do acordo de Paris sobre o clima.
No meio de tudo isto, uma imagem ficava ainda na memória, como que a sublinhar a nova atitude americana face à velha Europa: Trump empurrando com descortesia o primeiro-ministro do Montenegro para ficar à frente na chamada foto de família da cimeira da aliança atlântica…
Se dúvidas ainda houvesse, elas desvaneceram-se por completo: o homem é um grosso, comporta-se como um elefante numa loja de porcelana e as suas posições nalgumas questões-chave vão contra a corrente consensual estabelecida a Ocidente, tudo querendo subordinar a uma interpretação literal do que lhe parece ser o interesse americano imediato – criar empregos.
A EUROPA REAGE
As reações não se fizeram esperar. Num vídeo distribuído pelos media e colocado nas redes, falando em inglês, o presidente francês Emmanuel Macron, apelou aos cientistas americanos para virem trabalhar em França;
mais importante ainda – a chanceler alemã Angela Merkel declarou, caneca de cerveja na mão, numa tenda da Baviera, que já não se pode contar com o apoio de velhos aliados (subentenda-se os americanos), tendo chegado a hora dos europeus “tomarem o destino nas próprias mãos”.
Uns com temor, outros com esperança, viram nisto como que o anúncio de um abalo telúrico, a indicação de que algo de fundamental estaria para acontecer nas relações internacionais, quase como que o início de uma nova era.
A Europa, dependente desde a Segunda Grande Guerra, do apoio político e militar dos EUA, estaria em vias de consolidar um poder próprio, assumindo-se como sujeito perfeitamente autónomo no cenário político internacional.
Seria, no fundo, o culminar de uma lenta evolução, em que finalmente o velho continente faria corresponder a sua capacidade estratégica e militar à inquestionável força que hoje já tem em termos económicos e comerciais.
Uma análise mais atenta, porém, não autoriza – pelo menos para já – essas especulações.
É certo que, com Trump, os EUA têm hoje outras prioridades e parecem menos preocupados com a liturgia diplomática, não hesitando em recorrer de forma aberta e por vezes brutal à linguagem do quero, posso e mando.
Trump parece mais focado no combate ao terrorismo e ao chamado Estado Islâmico, o que pode significar um relativo desvio de atenções – até agora centradas no leste europeu e no Báltico – para o norte de África.
Ao mesmo tempo, porém, o orçamento que Trump enviou ao Congresso não deixa de incluir uma soma considerável para sustentar o esforço militar a leste face ao chamado “perigo russo”.
Por outro lado, e apesar das aparências, as alusões de Merkel a um reforço das capacidades europeias em termos de segurança e defesa, não trazem nada de muito novo. Apelos nesse sentido já foram feitos antes pela França e pelo próprio presidente da Comissão Europeia.
A Inglaterra sempre foi contra a criação de um exército europeu ou algo parecido, mas agora que o BREXIT está à vista, é natural que esses projetos reapareçam. E eles não contradizem necessariamente a aliança estratégica com os EUA. Seriam apenas o reforço do chamado “pilar europeu da NATO”.
É claro que uma maior autonomia europeia poderia, a prazo, contribuir – mas sempre com a eventual anuência americana – para o estabelecimento de um sistema global de segurança europeia, que incluísse a Rússia.
Mas não estamos ainda aí – longe disso. Para já, o que há é apenas um reforço de algumas tendências que em si mesmas não colocam em causa a trave mestra da segurança europeia – a aliança com os Estados Unidos.
Como alguém disse um dia, as relações Europa-América são como a música de Wagner: não é tão má como parece. Mesmo que na interpretação de Trump se ouçam agora algumas notas dissonantes mais estridentes.
Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.