Da Redação
Com Lusa
Muitos dos portugueses que emigraram este ano passam pela primeira vez a quadra natalícia fora de Portugal, um cenário novo que muitos encaram com naturalidade mas outros não escondem a tristeza.
Este ano “nem cheira a Natal”, diz Fábia Machado, 35 anos, que deixou em agosto o Bombarral para trabalhar na região de Paris, com o marido e a filha mais velha, de 15 anos, com quem vai passar a quadra, sem as duas meninas mais novas.
“Só vamos estar os três. É estranho, é novo porque deixei duas filhas mais pequeninas em Portugal. É a primeira vez que vou estar longe delas. Vai ser um bocado complicado”, afirma Fábia.
Em 2015, o “Natal é um bocadinho triste”, admite a recém-emigrante, que decidiu “arriscar” porque estava desempregada há dois anos em Portugal.
No entanto, o ‘Eldorado’ francês ainda não lhe sorriu. Ainda não encontrou trabalho e está à procura de uma solução, seja “nas limpezas ou nos supermercados” porque ainda não fala bem francês para encontrar trabalho de escritório.
“Neste momento é só o ordenado dele que entra, portanto, este ano é impensável irmos a Portugal porque é sempre mais um gasto. Em Portugal também não temos um Natal assim em grande, mas sempre estamos com a família”, descreve.
No entanto, para atenuar as saudades, que já são “muitas”, havendo “dias desesperantes”, a mesa de Natal vai ser 100% portuguesa: “bacalhau cozido com brócolos – porque aqui não somos muito fãs das couves – o tradicional vinho tinto, o bolo-rei, as fatias douradas, os sonhos”.
Em Berlim, Raquel Dionísio, 34 anos e natural de Lisboa, nunca considerou passar o Natal fora de casa mas quando começou a ver os preços das passagens optou por ficar e nos dias 24 e 25 vai estar a trabalhar num hotel.
“Sei que vai ser difícil porque como vou estar a trabalhar nem vou conseguir fazer [uma chamada de videoconferência] ‘Skype’ com a família. Mas foi uma escolha porque como é feriado, recebemos a dobrar”, explicou.
Formada em jornalismo, Raquel disse que “emigrar sempre esteve fora de questão” mas depois de dois anos e meio a trabalhar como empregada de mesa em Lisboa, Berlim tornou-se no caminho a seguir.
“Foi uma oportunidade de voltar a trabalhar na minha área porque em Portugal não estava mesmo a dar: estava a receber uma miséria, o trabalho não era mau de todo mas muitas condições eram más e não era o que queria fazer”, referiu.
Veio para Berlim para fazer um estágio em jornalismo e o objetivo era conseguir trabalho na área. De momento, a portuguesa trabalha numa agência de catering e numa companhia de entrega de comida ao domicílio.
“Vim à descoberta e a experiência que tive cá foi muito boa mas o estágio terminou ao fim de quatro meses sem possibilidade de lá ficar. Regressar a Portugal seria voltar ao mesmo por isso decidir ficar e investir na aprendizagem do alemão”, explica.
Tal como Raquel, Vítor Castro, 30 anos, decidiu ficar em Berlim no período natalício porque as passagens áreas para a ilha da Madeira estavam “caríssimas”.
No primeiro Natal fora de casa, o madeirense vai passar a véspera com a colega de casa alemã e tenciona ir à missa do galo em Berlim: “Não sou religioso mas gostava de ver como festejam aqui”.
“Os meus pais ficaram tristes mas eles compreendem”, referiu o designer ‘freelancer’ que já planeia visitar a família em fevereiro, depois do burburinho do Natal, altura em que pode “ficar mais tempo e por um quarto do custo”.
Na mesa de Natal, Vítor não tenciona ter bacalhau nem iguarias portuguesas mas decidiu comemorar a época à luz do espírito das ‘start-ups’ berlinenses: “Encomendei uma refeição a uma ‘start-up’ alemã que te traz todos os ingredientes certos para executares uma receita dada por eles”.
Em Macau, do outro lado do mundo, Henrique Siqueira, técnico de saúde, 29 anos, veio com a mulher, Dália, de 30, também vão passar pela primeira vez o Natal fora de Portugal.
“Chegámos muito recentemente. Fiz esta viagem muitas vezes nos últimos tempos à procura de um emprego para poder mudar de vida. Agora que conseguimos ficar por cá, achamos que devemos iniciar uma nova vida e deixar a vida antiga para trás”, diz Henrique Siqueira, que minimiza o impacto da data.
“Não fizemos ainda planos, mas provavelmente passaremos só os dois”, diz, antecipando a ceia: Quanto à ceia: “Acho que vamos fugir um bocadinho à tradição, não vamos tanto para o bacalhau nem para o cabrito. Se calhar vamos ter um natal com comida chinesa — a Dália diz que não. Provavelmente comeremos fora”.
A família achou natural não irem a Portugal: “Estavam convencidíssimos que não voltaríamos tão cedo assim que puséssemos os pés cá. Nos próximos anos é possível que pensemos na hipótese de voltar a Portugal no Natal. Neste primeiro Natal não foi possível porque não tenho férias”.
Também a trabalhar como arquivista em Macau há menos de seis meses, Catarina Batista, 25 anos, não pode ir a Portugal neste período. “No início fiquei bastante triste mas agora já me estou a habituar”, diz.
Vai passar com a amiga com quem divide casa, também portuguesa: “Vamos fazer um jantar de consoada muito simples, se calhar vamos convidar mais pessoas que comemoram o Natal. Por exemplo, uma amiga minha filipina, eles são muito religiosos. Vamos tentar juntar um grupinho de pessoas que comemoram” a data, explica.
“A ideia é recriar o sentimento mais acolhedor — nada substitui estar lá, com os familiares, a comer aquelas coisas todas boas, mas vamos tentar recriar o sentimento caloroso de estar com alguém, comemorar a data com alguém especial”, diz, salientando que a ementa irá incluir, obrigatoriamente, bacalhau: “Estou a começar [a decorar a casa], já pus uns flocos de neve nas portas. Queria recriar mesmo o espírito do Natal”
A família reagiu mal à notícia: “A minha mãe tinha proposto vir cá, mas é impossível com a família lá, avós e tudo. A família ficou triste, perguntaram-me: ‘Mas porque é que não vens? Precisas de dinheiro?’ Tive que lhes explicar que literalmente iria menos de uma semana. Não era possível. Eles ficaram bastante desiludidos mas tem de ser”.
“Vou tentar ir nos próximos anos – a palavra-chave é tentar”, diz.