Por Carlos Fino
Na sua longa marcha pela independência, os nacionalistas catalães obtiveram este domingo uma vitória importante – os partidos que, à direita e à esquerda, defendem a separação do país da Espanha conseguiram a maioria absoluta no parlamento regional de Barcelona.
Os Juntos pelo Sim (aliança entre a Convergência Democrática, CDC, de centro-direita, de Artur Mas, presidente do governo regional, e a Esquerda Republicana, ERC), juntamente com a Candidatura de Unidade Popular (CUP, marxista) – conquistaram mais assentos do que todas as restantes forças políticas juntas – 72 (62+10) em 135.
Mas esta vitória fica aquém do esperado – os independentistas não só perderam deputados em relação a 2012, como sobretudo não conseguiram a maioria dos votos, ficando-se pelos 47,8%, o que lhes retira espaço de manobra, ao revelar que a sociedade catalã permanece claramente dividida sobre o caminho a seguir no relacionamento com Madrid.
Com este resultado, por mais paradoxal que pareça, se a votação altamente participada de domingo (77,46%), tivesse sido para um plebiscito (como queriam os nacionalistas e o governo espanhol não autorizou), o separatismo teria, aparentemente, perdido.
Essa foi aliás a tónica da narrativa dos que se opõem à separação da Espanha, que vieram de imediato a terreiro afirmar que “contados os votos, a opção independentista não é maioritária.”
A tudo isto há ainda que acrescentar as divergências que atravessam o campo independentista, com a esquerda marxista da CUP a questionar a recondução do direitista Artur Mas, que acusam de corrupção, na presidência do governo regional.
No campo dos que se opõem à separação, houve troca de posições: o Ciudadanos (centro-direita, contrário à independência) obteve um surpreendente segundo lugar (25 assentos), destronando o PP (Partido Popular) do primeiro ministro Mariano Rajoy, com 11. O Partido Socialista da Catalunha (ramo do PSOE) conseguiu manter-se com dificuldade (16 deputados) e o Catalunha Sim, é Possível, versão catalã do Podemos, que hesitou muito na sua mensagem, preferindo colocar o acento tónico nas questões sociais e fugindo ao debate sobre a independência, sofreu um desaire, não indo além de 11 lugares, o mesmo número do PP.
E AGORA?
Neste contexto – é o mínimo que se pode dizer – o caminho rumo à independência não se afigura fácil.
Os nacionalistas catalães têm naturalmente legitimidade para governar; e tendo conferido à partida carácter plebiscitário a estas eleições (o que os outros partidos, ainda que relutantemente, acabaram por aceitar) vão certamente querer cumprir o que prometeram – desencadear o processo conducente à separação da Espanha, com a criação das necessárias instituições, incluindo uma constituição própria e um banco central.
Mas as incógnitas são muitas, designadamente em termos europeus. De Bruxelas vieram nestes últimos dias sinais contraditórios – ora evitando pronunciar-se sobre uma eventual declaração unilateral de independência, ora dando a entender que a separação não seria aceite pela UE uma vez que esta teria de respeitar a integridade territorial dos Estados que a integram.
Madrid, por seu turno, elaborou um documento de 14 páginas alertando para as consequências nefastas da separação – desde interrupção no pagamento de reformas e salários à quebra no fornecimento de energia e à suspensão dos financiamentos… Um cenário de catástrofe e incerteza cuja divulgação não impediu a vitória nacionalista nas eleições de domingo.
Mas a verdade é que, com tantas incógnitas e sem ter ainda convencido metade da população de que a separação é de facto o melhor caminho para a Catalunha, muita coisa ainda permanece em aberto e aparentemente ainda não se chegou a um ponto de não retorno.
Para já, os nacionalistas venceram, mas não convenceram.
Talvez as eleições legislativas de Dezembro possam trazer alguma clarificação.
Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.