Em meio a ‘panelaços gourmets’ pró golpe, Comissão da Verdade paulista conclui trabalhos sobre a ditadura

Enquanto parcela ensandecida da sociedade brasileira ‘bate panelas’ pedindo golpe e até mesmo a volta dos militares ao poder, sintoma da crise estendida desde a inconformada derrota da oposição nas eleições de 2014 – diferença de 3,5 milhões de votos – que explodiu em manifestações de ódio de classe e racismo nas redes sociais e até mesmo em casos na grande mídia comercial, a Comissão da Verdade de São Paulo concluiu e apresentou no dia 12 de março resultados de seu importante trabalho para a história do país, focando os anos de ditadura, de ausência dos direitos civis, na segunda metade do século XX. Foram, assim, registrados, documentados os fatos. Fim de sua atuação que está aberta à consulta da população. Agora, resta saber, se isto passará a outra fase, que é plenamente dependente de vontade política. Seria o momento da judicialização dos casos, ou seja, a justiça decidindo abraçar todo o empenho destes anos nas pesquisas, entrevistas e esforços dos parlamentares e envolvidos com a Comissão, passando a julgar e punir todo crime cometido nesses ‘anos de chumbo’ contra os Direitos Humanos.

A Comissão da Verdade Rubens Paiva, formada na Alesp – Assembleia Legislativa de São Paulo, começou a trabalhar em 12 de fevereiro de 2012. De lá para cá, quando apresentou nesta segunda semana de março o seu ‘relatório final’, realizou 150 recomendações temáticas e 18 gerais, apontando pedido de punição dos agentes responsáveis por torturas, desaparecimentos e mortes durante a ditadura. A referida conclusão será encaminhada à Comissão Nacional da Verdade, ao Arquivo Público Nacional e ao Ministério Público Federal.

A todos os interessados, o relatório final estará disponível no endereço eletrônico virtual http://verdadeaberta.org/. Reúne, então, 26 capítulos temáticos, 188 casos detalhados de pessoas mortas e desaparecidas, além de todas as recomendações e conteúdo desenvolvido pelos grupos de trabalho. A plataforma traz, além de vídeos e fotos, três livros publicados durante o trabalho da Alesp.

Durante o evento de encerramento, a assessoria da comissão destacou duas das 150 recomendações temáticas: primeira, a localização dos restos mortais dos desaparecidos políticos, para que as famílias possam dar um sepultamento digno e a punição aos torturadores de ontem e de hoje. Conforme afirmação da assessoria “o Brasil não pode manter a impunidade, sob pena de ser um Estado de constante violação dos direitos humanos”. A segunda recomendação destacada entre todas foi o pedido para que sejam revistas e aprofundadas as investigações sobre as mortes de dois ex-presidentes da República, Jango e JK. Conforme as pesquisas da Comissão paulista há indícios de que as mortes de João Goulart e Juscelino Kubitschek tenham sido planejadas, após o Golpe de 1964. Jango morreu exilado na Argentina. JK foi vítima de um acidente de automóvel, indo de São Paulo para o Rio. A Comissão Nacional da Verdade não aceitou a hipótese paulista, concluindo por mera fatalidade o caso JK. A Comissão bandeirante e parceiros nas avaliações pretendem, no entanto, levar o caso, se necessário, até as cortes internacionais.

A Comissão recomenda, entre outras coisas, a desmilitarização das polícias, a criação de locais de memória dos desaparecidos políticos, bem como a criação de mecanismos de enfrentamento, prevenção e erradicação da tortura, de assassinatos e desaparecimentos forçados por agentes públicos e que sejam devolvidos, simbolicamente, os mandatos dos deputados estaduais paulistas cassados durante a ditadura.

Segundo a Comissão, o Estado brasileiro deve criar políticas e mecanismos permanentes de reparação e indenização às vítimas das violações de direitos humanos cometidas por agentes da ditadura militar e a responsabilização civil e administrativa das empresas que contribuíram com o regime e a perseguição de trabalhadores. Alem disto, também sugere que os estudantes tenham nos currículos escolares informações e reflexões sobre a ditadura e as conseqüências que ainda persistem. Uma luta pela consciência dos direitos civis que precisa ser estendida e reafirmada constantemente. Não custa destacar aqui que a grande mídia comercial apoiou o Golpe e a ditadura. Jornal do Brasil, Correio da Manhã, O Dia, O Globo, Folha, Estadão entre outros endossaram a ideia de setores minoritários, todavia muito poderosos, que influenciavam ao seu público.

Vale lembrar também que a Comissão concluiu seus trabalhos que aconteceram ao longo de três anos sem que efetivamente tivesse todos os arquivos das Forças Armadas disponíveis ao exame do período estudado. Conforme a sua assessoria, “ainda falta muita investigação, a abertura dos arquivos militares e a cooperação principalmente do Ministério das Forças Armadas e das Relações Exteriores, que têm documentos fundamentais para o avanço das pesquisas e das investigações”. Assim, é muito importante que “o Ministério Público Federal e demais órgãos públicos têm de colher esses relatórios – tanto esse [o paulista] quanto da Comissão Nacional e de outras comissões [pela nação afora] – e tomar as providências jurídicas que permitam o devido processo legal dos acusados de tortura, assassinatos, estupros e desaparecimentos forçados”, afirmou a assessora.

A derradeira sessão da Comissão da Verdade paulista abriu com uma homenagem ao seu patrono: foi ouvido um áudio contendo uma declaração do então deputado Rubens Paiva na madrugada de 1º de abril de 1964 pedindo apoio ao presidente João Goulart contra “uma pequena minoria que detém o poder econômico e os órgãos de comunicação”, segmentos contrários “à divisão da riqueza brasileira entre todos os seus habitantes”. Paiva foi preso em 1971 e se tornou de imediato mais um nome na lista dos desaparecidos políticos durante a longa treva política.

Em suma: precisamos de democracia, de direitos e obrigações sendo respeitados por todos e acima de tudo, objetivando buscar equilíbrio nas condições de vida da população e não manutenção de privilégios, tão evidentes nos números que caracterizam nossa sociedade, onde os 10% mais ricos absorvem 41,5% de toda renda nacional (PNAD, 2013). São Paulo, 13 de março de 2015.

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo

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