Opinião: Barroso e a UE

Durão Barroso terminou o seu mandato de cerca de dez anos como presidente da Comissão europeia. O tempo será, presumo, para alguns balanços.

Desde logo, um balanço português. Recordo que, quando Barroso foi escolhido pelos seus pares para presidente da Comissão europeia, tinha acabado de titular uma “luta” de algumas semanas para a colocação nesse lugar de António Vitorino. Nunca levei esse “esforço” muito a sério, até porque seria perfeitamente incongruente, mesmo tendo em conta o incontestável prestígio de Vitorino, que uma UE com predominância conservadora aceitasse um presidente da Comissão oriundo de outra área política. Barroso e os que o rodeavam sabiam isto muito bem; e, sobre isto, mais não digo. Na ocasião, a mútua anulação de alguns candidatos, num tempo em que ter sido antigo PM começava a ser um fator de peso, fez com que Barroso surgisse como uma solução de compromisso – com a óbvia vantagem de não ser uma figura forte, sendo já pressentido como maleável à vontade média de quem mandava no Conselho. Quem o escolheu, não se enganou.

Em Portugal, levantou-se um escarcéu pelo facto de Barroso ter “fugido” do governo e de Jorge Sampaio ter ajudado a esse passo. Nunca estive de acordo. É extremamente prestigiante para um país, em especial da nossa dimensão, que o chefe do seu executivo seja convidado para um lugar daquela importância, o qual, pelo menos teoricamente, projeta a nossa imagem internacional. Portugal não se pode dar ao luxo de desperdiçar, quando os ensejos ocorrem, possibilidades como esta. Jorge Sampaio procedeu muito bem ao ter “autorizado” a ida de Barroso. Para a nossa história doméstica ficará a eterna discussão sobre se deveria ou não ter aceite a solução endogâmica que o PSD lhe apresentou ou se não seria mais adequado ter promovido eleições antecipadas.

Agora, um balanço europeu. Na sua década de mandato, Durão Barroso esteve exatamente à altura daquilo que dele se esperava: quer por parte de quem o indigitou, quer por quem o conhece melhor. Barroso faz parte de uma “linhagem” de presidentes do executivo bruxelense que foram escolhidos depois de Delors, isto é, depois de uma personalidade que, em aliança objetiva conjuntural com o então “eixo” franco-alemão, fez a Europa dar um salto qualitativo em matéria institucional e de projeto. A Europa que se seguiu a esse tempo era já diferente, a ambição era outra e o peso do Conselho de ministros face à Comissão (também por via de compensação do poder crescente e inevitável do Parlamento europeu) estava em crescendo. Não foi por acaso que os governos foram escolhendo, sucessivamente, figuras do cariz de um Santer ou de um Prodi. E, depois, de um Barroso.

Durão Barroso adotou, no desenho institucional do seu papel à frente da Comissão europeia, precisamente a mesma “leitura” que dela fizera quando, como chefe do governo, negociou o defunto Tratado Constitucional. E projetou exatamente essa mesma perspetiva no modo como se colocou perante o Tratado de Lisboa, que historicamente foi o maior atentado ao poder da Comissão na história europeia, que teve então a cumplicidade objetiva do governo (socialista) português.

Barroso teve uma Comissão difícil de gerir. Pela primeira vez, nela se sentavam 27 comissários à volta de uma mesa, nomeados por governos que, em geral, tinham como agenda pouco escondida enfraquecer o poder dessa mesma instituição. A Comissão, e Barroso com ela, esteve muito mal no início da crise financeira, que desvalorizou antes de se ter assustado com ela. E antes de ter, esquizofrenicamente, impulsionado os Estados a fazer doses maciças de despesa pública, que antecedeu uma política totalmente oposta, uma subordinação a um modelo de forte austeridade, que Barroso defendeu com o mesmo zelo. A Comissão, nesse percurso, “reganhou” poder, mas agora de natureza “policial” face aos Estados membros.

Durão Barroso foi um presidente débil da Comissão europeia, muito pouco respeitado pelos grandes Estados e que, porque assim era pressentido pelos restantes, não soube ou não quis ganhar espaço junto destes últimos. Se a fragilidade de alguns homens ainda poderia justificar que, no primeiro mandato, tivesse de “jogar” para garantir a sua reeleição, já nada justificava que, no segundo mandato, não tivesse, a certa altura, “partido a loiça” e defendido o papel central da Comissão. Um chefe do executivo europeu que, mesmo contra a Alemanha, tivesse a coragem de afirmar a necessidade de ser respeitado o método comunitário e soubesse “federar”, numa aliança tática com o Parlamento europeu, as angústias de muitos Estados de pequena e média dimensão, da “outra Europa”, poderia ter perdido a partida, poderia mesmo ter sido forçado à demissão, mas teria provocado um choque institucional muito salutar, que poderia ter salvo a Europa. E ficada na sua história. Foi o que Durão Barroso não fez e que, agora, o obriga a sair por uma porta pequena do Berlaymont.

 

Por Francisco Seixas da Costa
Diplomata português. Ex-Embaixador de Portugal no Brasil.

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