Crise da água em São Paulo não é culpa de São Pedro

Segundo o governo paulista é simplesmente a falta de chuvas que fez deste verão 2014 o mais seco desde 1984. Altas temperaturas bateram recordes e o calor não deu tréguas. O Estado passa por um autêntico inferno climático e isto abriu um sério problema de abastecimento d’água. Mas, tudo está sob controle, alegam. Será mesmo?

Desde fevereiro, entretanto, a ideia de racionamento da água começou a circular com maior intensidade pela população. Naquele mês, a reserva do Cantareira já estava com meros 20%. O Sistema Cantareira é o responsável por 45% do fornecimento de água na região metropolitana, que atende  aproximadamente 9 milhões de habitantes, sendo formado pelos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí e alguns afluentes mineiros. Algumas regiões da cidade de São Paulo passaram a sentir falta d’água em certos horários de forma sistemática. E a coisa foi piorando, dia a dia. Isto obrigou, desde maio, a se usar o volume morto, sua reserva profunda, quando o nível chegou a 8%. Pressionou-se a operação de auxílio através dos recursos do Sistema do Alto Tietê. Em dezembro de 2013, o Sistema Alto Tietê, com 5 represas, já fora acionado na ajuda ao Cantareira. Então, desde maio, o Alto Tietê vem perdendo mensalmente o equivalente de 5% de sua capacidade total, que é de 521 milhões de metros cúbicos. Em 1º de maio, o sistema registrava 35,8% de volume. Um mês depois a situação era de 30,8%. Julho começou com 25,7%. Assim, pelo ritmo de 5% de consumo do volume útil a cada 30 dias, técnicos do setor ponderam que em cerca de seis meses o Alto Tietê também terá o volume quase zerado. Pergunta básica que surge nesta situação: o que vai acontecer em 2015, caso não chova o suficiente?

De acordo com Edson Domingues, ambientalista e autor de projetos sociais (no Diário do Centro do Mundo), na outorga do Sistema Cantareira feita pela Agência Nacional de Águas – ANA e por grupos da Sociedade Civil em 2004, a previsão de aumento de consumo de água era da ordem de 2% para a região de Campinas, Piracicaba, Jundiaí, Atibaia e Extrema. Porém, com o avanço econômico local o crescimento em 2014 já passou a ser da ordem de 4%. As administrações das respectivas cidades da região fizeram o compromisso estabelecido: coleta, tratamento de esgoto, cobrança pelo uso da água foram políticas adotadas por diferentes governos, garantindo a prestação de serviços ambientais. Porém, a Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, segundo ele, ficou para trás no processo de cumprimento das prerrogativas estabelecidas dez anos atrás. As tarefas de cobrança pelo uso, reuso da água, coleta e tratamento de esgotos pela SABESP, Cia. responsável pelo serviço na região, ficaram a desejar. Sua velha rede de distribuição e a falta de manutenção faz com que a RMSP perca 7 m³ por segundo de água potável no sistema de distribuição. Para ele, já era tempo de prever ondas de calor e estiagens. A SABESP avança pouco, desinforma e não aponta saída para o rodízio de abastecimento inevitável.

Ambientalistas reclamam da falta de ação dos órgãos competentes. Roberta Baptista Rodrigues, doutora em recursos hídricos pela USP e professora de Engenharia Ambiental, diz que “no segundo semestre de 2013, como o nível já estava baixo no Sistema Cantareira, eles deveriam ter entrado com uma política de racionamento bem forte. Mas o que vem ocorrendo é um racionamento velado nas regiões periféricas. Deveria ter ocorrido a oficialização do racionamento no segundo semestre de 2013. Assim, haveria uma economia de água e favoreceria a educação das pessoas”. Sobre o volume morto, a professora da USP alerta “o primeiro lugar é a qualidade da água. Temos um tratamento secundário, que não remove as partículas que estão dissolvidas e água do volume morto pode conter produtos tóxicos”. A Sabesp rebate, afirmando que a qualidade da água do volume morto, “segue todos os padrões do Ministério da Saúde” e que desde o final do ano passado tem tomado diversas medidas para garantir a segurança no abastecimento. O engenheiro civil e sanitarista José Roberto Kachel do Santos concorda com a gravidade da situação do Alto Tietê. Ele trabalhou por 34 anos na Sabesp, dez deles diretamente com o Sistema Alto Tietê. Diz assim: “à medida que a estiagem avança, o subsolo seca cada vez mais. A vazão que chega nos reservatórios é cada vez menor. Temos cerca de  120 dias para zerar o sistema. […]O volume do Alto Tietê está caindo 0,2% ao dia, isso significa 1 milhão de metros cúbicos diários. Entre o final de outubro e o início de novembro ele vai estar acabando”(Portal G1).

O Brasil é um dos países do mundo mais privilegiados no volume d’água doce, um bem cada vez mais raro, embora o planeta seja constituído de ¾ partes dessa matéria. O que não podemos esquecer jamais é que água potável existe apenas como 3% desse total. E somente um terço da água doce é acessível, aquela presente nos rios, lagos, lençóis freáticos superficiais e atmosfera. O restante está concentrado em geleiras, calotas polares e lençóis freáticos profundos. O Brasil possui um dos patrimônios hídricos mais importantes do planeta, e circulam pelo país 12% da água doce superficial do mundo. Além disso, o Brasil detém 60% da bacia amazônica, por onde escoa cerca de um quinto do volume de água doce do mundo. Então, fica fácil compreender que embora sejamos uma nação privilegiada, esta água boa para consumo está concentrada e, desta forma, é preciso com urgência uma intensa educação ambiental para nossa população como algo de extrema necessidade para nossa sobrevivência. Não podemos nos equivocar mais. Muita gente vê as questões ambientais como um debate fútil, ou, como se diz popularmente, ‘frescura’ de ecologistas e congêneres. Não é verdade. Estamos prestes a encarar fortes problemas de saúde e produção. Sem água haverá encrencas sérias de higiene e limpeza, assim como deficiência para o sistema produtivo em empresas e afins. Como ter aulas sem água? Hospitais funcionarão de que maneira? Empresas vão manter de que forma os funcionários? Vai ter muita gente com sede e sem nada para molhar a goela. Crise no abastecimento fará o preço do liquido subir e gerar impactos sobre a população mais pobre: quem não tiver dinheiro para os caminhões pipa e água engarrafada vai passar sede.

Esta questão revela clara falta de ação dos gestores responsáveis. Uma intensa publicidade de alerta e orientação já deveria estar ocorrendo desde há um ano, no mínimo, com força, sobre o problema, que não é novidade para os estudiosos do clima. Isto sem falar, claro, na intensificação de investimentos como os especialistas alegam. Obvio que a falta de chuva é algo básico, todavia, faltou um trabalho de conscientização sobre a população que permanece, ingênua, tolamente, lavando carros, calçadas, perdendo horas com água corrente em chuveiros e torneiras. Não dá para colocar a culpa em São Pedro pelo desastre iminente. São Paulo, 25 de julho de 2014.

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

1 comentário em “Crise da água em São Paulo não é culpa de São Pedro”

  1. Escreveu o jornalista Luis Nassif em 31/10/2014, soltando as bruxas: ” Corre-se o risco, inimaginável em outros tempos, de uma das maiores metrópoles do mundo exposta a surtos de epidemia, a transtornos sociais, à violência generalizada provocada pelo desespero da falta dágua. […] Tem-se no governo do estado um governador irresponsável paralisado pela própria mediocridade ”
    Tá difícil… e poderá piorar!

    http://jornalggn.com.br/noticia/racionamento-ja

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