Há 18 anos, Hélio Loureiro comanda a cozinha da Seleção. Nesta entrevista ele fala do seu livro e da Copa no Brasil.
Por Vanessa Sene
Atendendo ao Mundo Lusíada no hotel em que está hospedada a Seleção de Portugal, o chef português Hélio Loureiro nos concedeu uma entrevista, em Campinas. E começou dizendo que “ama de paixão” o Brasil e há 30 anos vem ao país com frequência.
Renomado chef e detentor de diversos prêmios nacionais e internacionais, Hélio comanda a cozinha da Seleção de Portugal há 18 anos. Está juntamente com a comitiva lusa no Royal Palm Plaza, e conta na bagagem da seleção com 200 quilos de bacalhau, além de chouriço, alheira, azeite e muito vinho do Porto.
Segundo ele, não só o clima e a gastronomia, mas sobretudo as pessoas são a vertente mais importante do Brasil, na sua visão. “Desde nordeste até o sul, gosto imenso do Brasil e de estar aqui”. E na Copa do Mundo ainda mais. “Estar no Brasil numa Copa do Mundo é um fascínio enorme. O Brasil é o país do futebol, não temos dúvidas. Daí que tudo isto tem um ingrediente maior e um peso maior nesta altura. Estou morto por ver como será a reação dos brasileiros à Copa, nos estádios, esta festa que se espera que se prolongue e que seja um motivo de alegria para os brasileiros e os outros povos do mundo”.
Seleção portuguesa
Para Hélio Loureiro, a Seleção é hoje a grande Embaixada de Portugal no mundo. “É aquela que nós dá mais orgulho enquanto portugueses, sobretudo na diáspora portuguesa. Pertencer a um grupo como a seleção é de fato uma elevada honra, do qual tenho um orgulho enorme de prestar serviço”.
Ironicamente o chef diz que não gosta tanto de futebol, não é isso que o faz estar na seleção portuguesa, mas é pelo servir a Portugal. “Tenho noção que estou servindo o meu país, e isso que é o mais importante”.
Segundo ele, a Seleção sempre foi um ponto de união entre todos os portugueses. “Talvez seja o ponto que mais unem os portugueses e que fazem irem famílias inteiras torcerem pela seleção. Que seja importante estes jogos e este período que vamos passar em que há uma Copa do Mundo, todos os olhos estarão na Copa, e todos os portugueses vão estar de olho na nossa seleção. E espero sinceramente estar no dia 13 de julho no Maracanã no Rio de Janeiro, que seria ótimo, e com o Brasil” comenta o chef sobre a final do Mundial.
De acordo com Hélio, o cardápio dos jogadores é definido pela equipe médica, reunindo uma boa alimentação para o desempenho da seleção em campo. “Trata-se de preparar a comida conforme as necessidades dos jogadores. Por isso a importância da nutrição e de uma alimentação saudável e equilibrada, cujo resultado final seja um bom desempenho”.
Sobre Cristiano Ronaldo, Hélio Loureiro diz que ele é uma pessoa muito simples. “Os jogadores são tratados de forma uniforme, por isso estão todos no mesmo patamar. Evidente que o Cristiano Ronaldo é reconhecido melhor jogador do mundo, mas a simplicidade que ele põe nas coisas e na vida, não tem esses excessos que as pessoas podem achar dele. Pelo contrário, é uma pessoa de fato muito simples, e a simplicidade se transforma numa grandeza. Ele tem essa simplicidade que vem do berço, com certeza, da forma como foi criado”.
O chef também se recordou da época em que trabalhou com o técnico brasileiro Luiz Felipe Scolari, e como gaúcho, tem a preferência pelo típico churrasco, mas na experiência que teve em Portugal passou a gostar dos peixes preparados pelo chef.
Livro Dom João
Hélio Loureiro, na sua vertente escritor, lançou o seu primeiro livro no Brasil, “Cozinheiro do Rei D. João VI”, Editora Planeta, que relata a história do homem que cuidava da alimentação de D. João e viveu fortes emoções entre temperos e a política. A intenção, segundo Loureiro, foi também mostrar a história da pessoa para além da função que representou.
“Muitas vezes esquecemos que um presidente, um ministro, um rei são pessoas com sentimentos, fragilidades, mas também com destrezas, opiniões e soluções importantes. E mostrar o lado humano de alguém é mostrar o lado mais importante da vida. Ninguém se destaca por ser rei ou presidente se não tiver uma boa formação pessoal”.
O chef defendeu a figura do rei que tem uma história tão marcante para Brasil quanto Portugal. “O Reio D.João VI foi alguém que se preparou não para ser rei mas para ser príncipe, chegou a rei pela morte do irmão, mas rapidamente soube dar a volta a situação e foi talvez um dos maiores diplomatas que já tivemos. Foi aquele homem que olhou para o problema que era a invasão napoleônica, sabia perfeitamente que se caísse nas mãos de Napoleão, Portugal perderia soberania, então teve uma solução de gênio que é, pela primeira vez no mundo, uma corte europeia de séculos veio criar uma nova capital num novo reino, o reino do Brasil, e dar independência ao Brasil o tornando um novo reino. Ou seja, ninguém questiona por exemplo o Canadá, Austrália, Nova Zelândia sejam independentes, no entanto o Chefe de Estado continua a ser a Rainha da Inglaterra. Pela primeira vez alguém teve essa ideia” diz o chef citando o Brasil como o maior país da América Latina até hoje, o que não ocorreu com as colônias espanholas que se fragmentaram em vários países.
“D. João VI através da gastronomia, das suas fragilidades e de seus pontos fortes, este livro retrata bem as intrigas da corte, as pequenas histórias que fazem a história, e a pequena grande história foi o assassinato do Rei D. João VI através do envenenamento que lhe foi causado pelo cozinheiro e pelos médicos”.
Além da parte história, o livro mostra os hábitos da corte na alimentação e os pratos preferidos do monarca. “Isso mostra também muito que a pessoa é, por exemplo, o rei não gostava de bebidas alcoólicas, não bebia vinho sequer, não gostava de doces, mas gostava muito de carne. Mas há mudanças de hábito quando a corte vem para o Brasil. Saiu de lá em novembro, chegou aqui em pleno verão, e desde as roupas que traziam que não eram as melhores para o clima, até a própria alimentação mais pesada, sobretudo havia a ideia naquela altura de que se passavam muitas horas à mesa porque é um momento de convívio, de comunhão entre as pessoas. Mas isso acaba rapidamente por adaptar às circunstâncias do próprio país”.
Cozinhar é uma arte
Hélio Loureiro começou sua trajetória na cozinha muito cedo, cozinhando em casa desde os 10 anos. Quando terminou o Liceu, foi para o Porto se formar em Cozinha e Pastelaria, e a partir daí seguiram-se mais estágios e formação que continua até hoje. “Tive dúvidas sobre duas profissões, que era ser padre. Mas no fundo, a cozinha também é um sacerdócio, ou seja, obriga a muitas horas de trabalho, dedicação e sobretudo a importância que se tem é o prazer aos outros e a disponibilidade aos outros. Esta é a semelhança entre ambas profissões. Como dizia Mia Couto, cozinhar é um serviço, é uma forma diferente de amar os outros” diz ele que é bastante religioso. “Seja qual for nossa religião, a obrigação que temos é nos dar aos outros”.
Segundo o chef Loureiro, há muitas possibilidades na cozinha, por isso o cardápio sai conforme o que se tem na despensa. Apesar da arte de cozinhar, o chef português acredita na sempre evolução do profissional. “Quando se diz cozinhar é uma arte depende da forma como olhamos para ela. Pode ser de fato uma técnica pura, em que ensina fazer um suflê e sai sempre um suflê bem feito, mas passa a ser arte quando a técnica do suflê passa a ser mais elaborada ou rebuscada. Pode ser simples, mas que tenha algo para além da técnica que aprendeu”.
Ao final, o chef foi questionado sobre o seu próprio paladar e preferências na cozinha. Helio diz que é muito difícil escolher um prato para quem gosta de cozinhar, mas selecionou um prato preferido de sua terra natal, Tripas à moda do Porto, um dos candidatos finalistas às 7 Maravilhas da Gastronomia portuguesa.