A Verdade sobre o CARF

Dois cidadãos, marido e mulher, entraram, com dezenas de ações populares contra as decisões definitivas do CARF proferidas a favor de contribuintes, sob a alegação de que tais decisões teriam causado lesão ao Erário. O fato de os autores estarem respondendo a ação penal, por transferência de bens de pessoa jurídica devedora do Fisco para seu patrimônio pessoal e de ter sido, o marido, demitido da Procuradoria da Fazenda Nacional, a bem do serviço público, por improbidade administrativa, é irrelevante. Todos os cidadãos brasileiros têm direito de propor ações populares contra atos lesivos ao Estado, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

Relevante, para o presente artigo, é conhecer os fundamentos da ação que, baseada em interpretação personalíssima das normas tributárias, processuais e administrativas, pretende a revisão de decisões definitivas do CARF, no âmbito de uma ação popular.

Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que as decisões do CARF, órgão do Ministério da Fazenda, quando proferidas a favor do contribuinte, são definitivas, descabendo à Procuradoria da Fazenda Nacional reabrir, no Judiciário, o que a própria União, por meio daquele órgão, reconheceu, definitivamente, não ter direito de cobrar. Cabe aos contribuintes contestarem judicialmente as decisões administrativas que lhes são contrárias, mas carece a União de legitimidade ativa para pleitear em juízo aquilo que ela própria, pelo órgão máximo da administração superior, considerou inexistente ou indevido. É esta a pacífica jurisprudência dos Tribunais superiores.

Por outro lado, o CARF é órgão que goza de grande respeitabilidade entre os tribunais administrativos do país e na comunidade jurídica brasileira, sendo suas decisões sempre citadas, em trabalhos doutrinários de professores de direito das diversas Universidades, e mesmo em sentenças ou acórdãos judiciais.

Constituído por membros da Fazenda Nacional e representantes dos contribuintes indicados pelas confederações nacionais – composição paritária do Fisco e contribuinte – tem prestado relevantes serviços ao país, confirmando o lançamento tributário, quando isento de ilegalidades, o que ocorre na grande maioria dos casos – as decisões favoráveis aos contribuintes, são em número bem menor – e evitando, ao anular lançamentos ilegais, que o Fisco ingresse em juízo, promovendo execuções, em que certamente o erário seria lesado pela condenação nos honorários de sucumbência.

Nas referidas ações populares, EM NENHUM MOMENTO, argumenta-se com desvio de conduta dos conselheiros, nem que o processo administrativo não tenha sido regular. O direito de defesa dos contribuintes e a atuação da Procuradoria da Fazenda Nacional no sentido de respaldar os autos lavrados, foram assegurados e o devido processo legal rigorosamente seguido. O único argumento é que, na visão dos autores, a tese da Procuradoria seria melhor que a esposada na decisão do CARF, razão pela qual teriam que ser anuladas, via ação popular, nada obstante a pacífica jurisprudência do STJ de que são decisões definitivas.

Ora, o que não pode a Procuradoria da Fazenda Nacional fazer, ou seja, executar o contribuinte para dele exigir tributo que o CARF reconheceu indevido, pretendem, os autores, alcançar via ação popular, como se fossem mais habilitados para fazer prevalecer a tese que a Procuradoria da Fazenda Nacional não conseguiu fosse vitoriosa no Tribunal Administrativo do Ministério da Fazenda! Tal esdrúxulo procedimento representa atentado às normas do processo administrativo fiscal e à mansa e pacífica jurisprudência do STJ, firmes em atestar que as decisões do CARF são definitivas.

O pior, entretanto, é que tal pretensão, se viável – que não é – geraria uma insegurança jurídica absoluta, pois nenhuma decisão definitiva seria definitiva, e não mais os procuradores da Fazenda Nacional – que são os advogados habilitados para executar os créditos da Fazenda – mas qualquer cidadão brasileiro poderia transformar-se em “procurador substituto” exigindo, via ação popular, créditos considerados inexistentes pelo CARF.

Mais ainda: nenhum conselheiro sentir-se-ia à vontade, nem independente para julgar de acordo com suas convicções.

Professores renomados, juristas consagrados que compõem o órgão por indicação do fisco e das Confederações, dele não desejarão mais participar, para não ter o aborrecimento de – SEM QUALQUER DESVIO DE CONDUTA— responderem a ações populares.

A insensatez das referidas ações contra as decisões definitivas do CARF, atingindo a honorabilidade da instituição, de seus conselheiros e do próprio Ministério da Fazenda, é de tal ordem que se, argumentando pelo absurdo, fosse aceita, criar-se-ia o caos absoluto. Um dos cinco fundamentos maiores dos direitos individuais na Constituição, que é a segurança jurídica (caput do art. 5º), seria pulverizado, criando-se, em matéria tributária, a insegurança máxima, sujeita aos humores de cada cidadão, que, a seu exclusivo alvitre, passaria a ingressar em juízo, a pretexto de fazer valer a “sua” justiça e de avaliar melhor do que os órgãos competentes, o que representa dano ao erário.

Sendo o Ministro da Fazenda, pelos artigos 19 e 20 do Decreto-lei nº 200/67, responsável pelo órgão, sujeito à sua área de competência, tal fato levaria a ter que compor necessariamente o pólo passivo da demanda, algo que deslocaria a competência do julgamento da ação popular para o Superior Tribunal de Justiça, onde a jurisprudência é pacífica a favor da definitividade das decisões do CARF.

Espero, como velho advogado e professor universitário, com 56 anos de exercício profissional, que o bom senso dos eminentes magistrados federais de Brasília –fui examinador de dois concursos da magistratura federal e sei da competência dos que são neles aprovados— ceifem, na origem, a pretensão de tais cidadãos, para que volte a imperar a ordem e o “due processo of Law”, nos processos administrativos tributários federais.

 

Dr.Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

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