À medida que os dias e os meses vão passando, vai-se-nos tornando evidente a desilusão em que se constitui hoje o atual Governo de Pedro Passos Coelho. Em todo o caso, uma desilusão que só atinge aqueles que, por uma qualquer razão, se deixaram iludir depois de tudo o que se foi podendo ouvir desde que o atual Primeiro-Ministro acedeu à liderança do seu partido.
Para os que comigo convivem, ou para os que o fazem indiretamente, por via do que vou escrevendo, não podem restar dúvidas sobre que nunca pelo meu espírito passou uma qualquer outra ideia que não fosse a que se está a materializar, e de um veloz modo, no estado atual dos portugueses e no que já se imagina vir a ser o do seu futuro e durante muitos e muitos anos. Ocorre-me sempre, quando olho o Portugal de hoje, a imagem do Costa Concordia: o nosso Costa Concordia.
COM UM TERRÍVEL ESPANTO, foi como acompanhei o inacreditável episódio que rodeou a visita do Presidente Cavaco Silva à Escola António Arroio. Uma visita que, afinal, acabou por não o ser, e sobre cujas razões da correspondente suspensão nunca se veio a saber nada de realmente palpável. Confesso aqui que nunca realmente imaginei que tais vicissitudes pudessem ser vividas pela imagem pública do Presidente Cavaco Silva, uma vez que, como qualquer um percebe, esta saída teria sempre um preço terrível sobre a sua progressivamente abalada imagem política.
EM CONTRAPARTIDA, O PRIMEIRO-MINISTRO, sem nada alterar em matéria dos pressupostos da mais recente vaia recebida – a maior delas –, lá conseguiu, por via dos seus apoiantes nos canais televisivos, passar como detentor de uma coragem suficiente para lhe permitir defrontar os que o vaiavam. Trata-se, porém, de um modo de fugir ao que se passou, porque esta última vaia mantém o potencial próprio dos que se sentem defraudados com a política hoje prosseguida face às promessas eleitorais feitas. Duas coisas diferentes, sendo que aquela atitude de coragem tática – simplicíssima e imperativa, aliás – não põe fim à crescente revolta que se desenvolve no seio da comunidade nacional.
SE AS NOTÍCIAS SÃO VERDADEIRAS, como realmente tenho de acreditar, a verdade é que o Álvaro e o Ministro das Finanças terão passado a dispor de segurança pessoal, tal como o Primeiro-Ministro terá visto reforçada a sua.
Não posso pôr estas notícias em causa, porque as mesmas, no sentido que se compreende, vão ao encontro do que eu próprio pude já escrever, até por mais de uma vez, ao referir que o atual Governo, como o próprio Presidente Cavaco Silva, já só hoje se mantêm no poder porque funciona o sistema de escolha que se conhece dos nossos dirigentes políticos, e porque a polícia e a força militar assim impedem que os mesmos possam ser demitidos pela vontade popular, hoje já muito generalizada. Um descrédito político pleno.
No fundo, foi isto mesmo que, há uns dias atrás, se pôde ouvir de Jerónimo de Sousa: este Governo já não goza do apoio dos portugueses. Uma evidentíssima realidade, aliás, muitíssimo objetiva, mas que é também extensível à pessoa do Presidente Cavaco Silva. Direi, recordando as palavras de Salazar no Porto, em 1957 – gozo do raro privilégio do respeito geral –, que o que hoje estes nossos políticos mostram é que já não gozam do raro privilégio do respeito geral. POR VIA DESTA OMNIPRESENTE REALIDADE, aí estão, e até em crescendo, as ideias subliminares, veiculadas pela nossa grande comunicação social, muito em particular a televisiva, no sentido de levar o PS para a área da governação. Bom, seria uma tristíssima ideia.
Qualquer um, minimamente apetrechado em matéria política, terá já percebido esta evidente realidade: a esperança suscitada por este Governo junto de muitos portugueses está hoje feita em cacos. A nossa comunidade mostra-se completamente desapontada e desesperançada, e tanto o Presidente da República, como o Governo ou os grandes empresários conhecem já muitíssimo bem esta realidade.
Simplesmente, se o PS entrar para o Governo, bom, alguma coisa terá de ser mudada em matéria política. E, numa tal situação, se os resultados futuros forem os expectáveis, bom, lá estará o PS para arcar com a responsabilidade do fracasso: dir-se-á que os maus resultados terão derivado das mudanças feitas ao sabor da vontade do PS, porque com a atual coligação as coisas até iriam ao lugar.
Mas será que o PS e os seus dirigentes conseguirão resistir ao apetite pelo regresso ao poder? Muito sinceramente, e pelo se conhece do PS no decurso da vida da III República, creio que lá acabará por se deixar levar nas insidiosas sugestões dos que por aí vão tentando vender aos portugueses esta nova banha da cobra da nossa política.
PELO MEIO DE TUDO ISTO, não pára o estado de protesto, mais que natural, por parte das nossas associações de sargentos e de oficiais das nossas Forças Armadas, constatando-se a completa inoperância dos correspondentes comandos superiores para defender os legítimos direitos dos seus homens, para lá desta realidade que tem vindo a impor-nos: José Pedro Aguiar-Branco não está talhado para este tipo de intervenção política.
De resto, há aqui que referir as palavras de D. Januário Torgal Ferreira, que ainda vai sendo a única voz que se faz ouvir por parte dos nossos bispos. E até conseguiu ter razão, ao referir que começa a sentir um certo odor a incêndio, que antecede quedas de regime e culminando com a evidente constatação de que quem semeia injustiças não terá paz. A evidência!
Ora, o que foi que a isto respondeu José Pedro Aguiar-Branco? Bom, que cada um assume a responsabilidade do que diz. Mas, sendo assim, em que se fica? Em nada? Porque se se ficar por nada, porquê tal resposta? Haverá de compreender-se que estas palavras constituem uma marca de má intervenção política. No fundo, ainda acaba por trazer-nos à memória velhos tempos, que muitos, como eu, pensavam ter sido ultrapassados por via da aprendizagem histórica.
NO MESMO SENTIDO, E COMO QUE JOGANDO COM A LEI E FORA DELA, eis que nos surgiu um assistente da Faculdade de Direito de Lisboa dizendo que o Acordo Ortográfico é inconstitucional. Isso mesmo, caro leitor: inconstitucional!
Neste sentido, e segundo notícias vindas a lume, determinou-se a apresentar queixa sobre o tema junto do Provedor de Justiça. Fico agora à espera, de molde a poder perceber como vai atuar sobre este tema Alfredo José de Sousa.
Entre outros argumentos apresentados pelo jovem assistente, estão os que resultam de o novo Português ferir a Constituição da República, bem como a sua opinião de que a língua não se muda por decreto. E, estando a nossa Constituição redigida num Português anterior ao novo Acordo Ortográfico, o Português deste só poderia ser adotado se primeiro tivesse lugar uma revisão constitucional. Simplesmente, uma tal revisão também não seria possível, porque atentaria contra os limites materiais da Constituição. Bom, recuso-me a comentar toda esta prosa, embora ache interessante que o Direito também possa ser usado para enfrentar um tema desta natureza. Lembro, entretanto, que nas Filipinas, onde a língua oficial era o espanhol, terminada a II Guerra Mundial, foi a mesma tornada não oficial e substituída pelo inglês, hoje a língua oficial daquele país. De resto, Adriano Moreira, numa sua palestra na Sociedade de Língua Portuguesa, há já umas duas décadas, chamou a atenção para uma tal possibilidade com o caso de Timor.
O engraçado, no meio desta conversa, é a relação que as Filipinas tiveram, a dado passo, com a vida de certo académico do nosso Direito. Ou porque se estivesse no Direito (Brincalhão) de Família, ou porque se procure um caminho inovador em Direito Constitucional, talvez este tema venha a ficar nos Anais da História do Direito Português.
POR FIM, PEDRO PASSOS COELHO, que numa sua entrevista de há perto de uma semana lá secundou, afinal, o Presidente Cavaco Silva, ao referir que, não se queixando, sempre acha que é mal pago como Primeiro-Ministro.
Esqueceu-se, tal como o Presidente Cavaco Silva, que existem neste território que é Portugal mais cerca de dez milhões de concidadãos seus, mas com esta diferença abissal: recebem quase todos incomensuravelmente menos que aqueles dois nossos políticos.
Tenho para mim que a luta em favor de Portugal, no momento de crise que se atravessa, convida fortemente os políticos a que não voltem a falar dos seus maus ou limitados vencimentos, porque o que está em jogo é algo que está muito para lá do valor absoluto em causa, jogando-se, isso sim, no plano relativo, domínio onde os nossos políticos, ao pé dos restantes concidadãos, vivem verdadeiramente à grande e à portuguesa! É preferível que olhem o caminho seguido pelo Presidente da Grécia.
Por Hélio Bernardo Lopes
De Portugal