Nos últimos 30 anos, a América Latina conheceu sensível alteração de seus fundamentos constitucionais, com modificação de quase todos os textos vigentes e adoção de novas Constituições.
Até mesmo Argentina, que convivia com modelo vindo do século XIX, reformulou seu texto maior.
Países como Venezuela, Bolívia e Equador preferiram moldar-se de acordo com ensinamentos provenientes de um centro espanhol de estudos sociais. Criaram modelo, alicerçado em grande valorização do Poder Executivo, diretamente vinculado ao povo, mediante consultas constantes e convocadas pelo próprio Executivo, passando o Poder Legislativo e Judiciário, assim como o Ministério Público a exercer funções secundárias.
Honduras, como o Brasil, alterou sua Constituição na década de 80, tendo, entre as cláusulas pétreas, a impossibilidade de reeleição.
O Paraguai promulgou, na década de 90, sua constituição, com dispositivo semelhante aos sistemas parlamentares que permite o afastamento do presidente por mau desempenho.
De rigor, quase todos os outros países da América Latina alteraram seus textos neste período.
O modelo brasileiro merece reflexão à parte. Seu texto é menor do que os venezuelano, boliviano ou equatoriano, porém, muito maior que o da Argentina. Tem o texto, todavia, uma quantidade enorme de disposições que poderiam ser veiculadas por legislação complementar, ordinária ou até mesmo por atos regulamentares do Executivo.
A Constituição promulgada em 05/10/88 foi muito criticada por extensão (245 artigos de normas permanentes e 70 de disposições transitórias). Hoje, são 250 e 97, com 81 emendas.
Apesar desta constante mutação, teve um mérito indiscutível: firmar definitivamente o Estado Democrático de Direito que o Brasil desejava desde a Constituição de 1891 e que os textos anteriores (1934, 37, 46 e 67) não conseguiram.
Atribuo esse resultado, ao fato de ter sido elaborada para adoção de um regime parlamentar de governo. Apenas na undécima hora, já em plenário, adotou-se o sistema presidencial, sem tempo de alterar muitos dos dispositivos que deram força considerável ao Congresso e ao Poder Judiciário. Fortaleceu-se, também, o papel do Tribunal de Contas.
O quadro pode ser delineado da forma seguinte: um Legislativo forte, como nos sistemas parlamentares; um Judiciário autêntico, com força maior que nas Constituições anteriores; um Tribunal de Contas, com poderes maiores para responsabilizar e fiscalizar o Poder; e um Executivo que não ficou fragilizado, pois lhe foram outorgados dois instrumentos legislativos.
Pode-se, hoje, dizer que o Estado Democrático de Direito é uma realidade definitiva no Brasil, graças à Constituição de 1988.
Dr. Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.