Domingo passado a população brasileira pode ir às urnas pela sétima vez consecutiva para eleger o seu Presidente da República. É um importante fato, especialmente por conta de tantos anos de autoritarismo que a nossa história apresenta. Os períodos de democracia nesta trajetória não são muito longos e o atual momento precisa ser comemorado. Os partidos são livres para se manifestar e os brasileiros fazem das eleições uma festa popular.
Por enquanto, a decisão para o cargo do executivo federal está em suspense. Somente no dia 26 de outubro teremos o veredicto final. Até aqui, os senadores foram definidos, assim como os deputados federais e estaduais. Alguns governadores também conseguiram a façanha de resolver a questão em primeiro turno, caso de Geraldo Alkimin, em São Paulo. Mas, na maioria dos Estados, ainda as disputas estão ocorrendo.
No geral, de relevante, pudemos perceber que a candidatura da acreana Marina Silva, que despontava como a grande sensação, não conseguiu manter o embalo e foi desidratando ao longo da reta final. Ela passou por um fenômeno bastante semelhante ao apresentador Celso Russomano, quando de sua candidatura para a prefeitura de São Paulo. Largou na frente e, aos poucos, o motor foi apagando. Resultado para ambos: terceiro lugar. Marina obteve 21% dos votos válidos, isto é, 22 milhões de pessoas, 3 milhões a mais que na eleição de 2010. Aécio alcançou 34,8 milhões e Dilma, em primeiro, 43,2 milhões de apoiadores.
Muito se discute, então, para saber o que teria se passado com a candidata do PSB? Um olhar mais atento vai revelando as causas. Pesou, por exemplo, sua postura pouco firme para temas polêmicos, como o casamento gay. Ela mudou de posição em tempo curto ao ter chamada sua atenção pelo pastor Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. E isso não pegou bem. Recuou também quanto a defesa da energia nuclear como fonte importante de geração de energia para o País. Seu projeto de governo, que batia na tecla do ‘fazer uma nova política’, não deixou evidenciado o que viria a ser isso. Juntando esses elementos a uma base menos sólida de sua aliança, frente ao poder dos petistas e tucanos, ela não suportou e voltou à sua média tradicional. Também é preciso se considerar que a sua própria subida deveu-se ao fato emocional da morte de Eduardo Gomes, de quem era vice na chapa do PSB. Ela aproveitou da comoção e evoluiu. Provavelmente, sem o acidente fatal, a aliança não teria sido tão vistosa.
Outro aspecto importante do 1º turno foi a soma da abstenção, brancos e nulos. Eles cresceram de 26,7% em 2010 para 29% em 2014. Em São Paulo foi recorde: abstenção, brancos e nulos somaram 37%. Representaria uma decepção? Estaria nestes números estampada a cara das manifestações de 2013 que aconteceram pelo país pedindo mudanças? Esta soma é um protesto? Ou não? É preciso estudar muito bem o caso. De todo modo, o PT foi derrotado dentro de sua ‘base histórica’, a região do ABC. Mas, Alckmin, PSDB, enfrentando crise hídrica, escândalos no metrô, problemas na saúde, educação e segurança, esferas sempre tão questionadas, venceu em primeiro turno, mantendo seu partido há 20 anos no poder no governo paulista. E a ‘bancada conservadora’, cujos vários adeptos falavam em ‘endireitar o Brasil’, cresceu no Congresso nacional, o que aponta obviamente para um difícil o avanço de ‘pautas progressistas’ como a reforma agrária, o aborto e o casamento gay na próxima gestão.Destaque-se que a candidata do PSOL Luciana Genro ficou na quarta posição na corrida presidencial, tendo apenas 1,54% dos votos válidos (1.612.186 votos). E os candidatos do PCB, PSTU e PCO não somaram nem 1%.
O DIAP – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, estima que este será “o Congresso mais conservador desde 1964” (OESP, 06/10/14): passou de 220 a 280 parlamentares empresários (+ 27%), de 130 para 160 ruralistas (+ 23%), e os sindicalistas caem de 83 para 46 (- 44%). E não é só: segundo o TSE – Tribunal Superior Eleitoral, entre os 513 deputados eleitos no último domingo, 410 deles (79,9%) se declararam brancos. Se disseram pardos 81 deputados (15,79% ) e pretos apenas 22 (4,29%). Nenhum candidato que se declarou como amarelo ou índio foi eleito para a Câmara dos Deputados. Então, aqueles que se autodeclaram pretos ou pardos ocuparão 20% das cadeiras na Câmara dos Deputados a partir de 2015, o que aponta para uma ‘subrepresentação’. Demograficamente, são 50,7% da população, segundo o censo de 2010 do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Sobre este assunto, as manifestações 2013 frente aos resultados tão conservadores nas urnas 2014, é interessante observar a opinião da deputada reeleita Luíza Erundina, do PSB paulista, partido que abrigou Marina Silva. Disse a ex-prefeita paulistana em entrevista ao Terra Magazine que o país ‘deu um passo atrás’ neste pleito: “De novo ganharam as máquinas, o dinheiro e o poder político e econômico que elege as pessoas. Isso provoca uma perda de qualidade da representação que nós estamos vendo. É fruto da sucessão de mandatos que não gera renovação e gera guetos sem respaldo social. A cada eleição há uma piora na qualidade da representação. Isso é muito triste, revoltante e acaba comprometendo a própria democracia. Demos um passo inacreditável para trás na representação da Câmara dos Deputados nessa eleição”.
Tomara que os eleitos estejam acima destes questionamentos e trabalhem de forma indiscriminada, buscando o bem comum da população, o que representa exatamente diminuir a estrutura do desequilíbrio histórico de nossa sociedade, uma das mais desiguais do planeta. De todo modo, não acabou. Ainda tem 2º turno. Promessa de mais emoções. O povo que abra o olho, pense bem e não vote por impulso. São Paulo, 10 de outubro de 2014.
Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo