Sentimento anti-imigrantes está relacionado com volume de notícias sobre migrações – pesquisador

Da Redação com Lusa

 

O aumento do volume de notícias sobre migrações tem uma relação direta com o sentimento anti-imigração, segundo uma investigação recente feita em vários países europeus, salientou hoje o pesquisador João Carvalho.

Um dos autores do artigo científico “Seguir os Media? O ambiente noticioso e a preocupação pública sobre imigração”, João Carvalho disse à Lusa que “existe um mecanismo causal” entre as notícias e as preocupações com a imigração, porque “poucas pessoas têm conhecimento direto de um imigrante, um amigo ou um contacto direto com um imigrante a imigração”.

Em comparação com outras questões, como a economia, educação ou saúde, a imigração “não é um tema que se atravesse no nosso dia a dia, na nossa experiência direta” e o conhecimento acaba por ser indireto, via sistema mediático ou político, disse o investigador.

João Carvalho disse que no estudo europeu foi possível “relacionar estatisticamente que o número de notícias dos media sobre imigração está intimamente relacionado com os níveis de preocupação dos cidadãos com a questão da imigração. Quanto maior for o número de notícias, maior será a preocupação dos cidadãos desse país”.

Os investigadores não conseguiram encontrar um padrão sobre as variações entre a mídia de vários países.

“Sabemos que o número de notícias não está diretamente relacionado com o número de imigrantes que entra num país e a variação da preocupação pública das pessoas com os imigrantes não está está correlacionada com o número de imigrantes que entram num país”, acrescentou o investigador do ISCTE e especialista em migrações, mobilidade e etnicidade em declarações à Lusa à margem da XXI conferência anual da International Migration Research Network (Imiscoe, na sigla inglesa), a maior rede mundial de investigadores sobre migrações.

João Carvalho disse que o “tema tem hoje uma saliência, uma importância política”, muito superior ao passado recente, dando o caso português e as eleições legislativas.

“Nesta campanha eleitoral, assistimos a uma maior politização da imigração do que nas anteriores, através de um maior número de notícias sobre imigração, não só notícias, mas também mais artigos de opinião sobre imigração”, criando uma “tentativa de associar um pouco a imigração a insegurança”, apesar de não surgirem “nenhuns dados empíricos que comprovem”.

De acordo com o estudo, “a cobertura mediática da imigração tem um efeito relevante na dinâmica temporal ao longo de um período de sete anos, sem desagregar o conteúdo por temas como o crime ou o terrorismo”, o que sugere que “os efeitos do ambiente noticioso são transversais ao eleitorado geral”.

O caso português nem é dos mais graves em termos de atitude anti-imigrações, reconheceu João Carvalho.

“Em 2002, houve uma tentativa de politizar a imigração através de Paulo Portas, que disse que o trabalho devia ser primeiro para os portugueses, quando foi a segunda vaga de imigração do Leste da Europa para Portugal”, mas o país “parte de um nível em que a imigração é muito despolitizada não faz parte das notícias”, afirmou o investigador.

Segundo os dados do Eurobarómetro, a “opinião pública continua a desconsiderar a imigração como uma das suas principais preocupações”, com apenas “3% a 4% dos portugueses a indicarem a entrada de estrangeiros como um dos seus principais problemas”.

“Portugal continua a ser um dos países da Europa que têm uma melhor percepção da imigração, sobretudo o seu contributo para a economia”, algo que o investigador associa ao histórico de emigração do país.

Essa relação com as nossas próprias comunidades portuguesas “acaba por contrabalançar algumas tendências que existem para tentar politizar a imigração em Portugal”, acrescentou.

Desintegração

E alertou hoje para o risco de desintegração da UE com o crescimento dos movimentos nacionalistas e lamentou que existam emigrantes portugueses que apoiam causas xenófobas e anti-migratórias.

“O futuro da Europa está hoje muito mais ameaçado do que estaria há 40 ou 50 anos atrás, porque estamos a esquecer exatamente qual foi o objetivo da sua criação e todos os conflitos do século XX já não existem na memória das pessoas”, afirmou o investigador do ISCTE especialista em migrações, mobilidade e etnicidade.

“Estamos a caminhar para uma Europa da competição entre nações e não da solidariedade entre nações, numa direção que me inquieta, porque não estamos a ser capazes de lidar [com essa tendência] e inverter o rumo”, disse o investigador.

Falando à Lusa, João Carvalho considerou que o “crescimento da extrema-direita só vai aumentar as fragilidades” da União Europeia, uma organização que é vista por muitos como “facto adquirido”.

No entanto, a situação política encaminha o continente para “um enfraquecimento na integração europeia”, que “pode culminar na desintegração” da União, salientou João Carvalho.

Em França, que terá a segunda volta das eleições legislativas no domingo, muitos emigrantes portugueses votam na União Nacional (extrema-direita), o que resulta também da sua própria integração na sociedade francesa.

“Muitos dos emigrantes portugueses sentem-se como europeus em França” e estão com medo da “invasão do Islão e da criação do grande califado mundial”, numa referência as imigrantes vindos de África.

Na propaganda da extrema-direita, o “medo do Islão acaba por substituir o comunismo dos anos 80” do século passado, um discurso que “acaba por ser atrativo também para os próprios emigrantes portugueses” em França, disse João Carvalho.

Por outro lado, as comunidades emigrantes “acabam por ter uma visão idílica do seu país de origem que já não corresponde à realidade”.

O mesmo sucede nos Estados Unidos, com muitos emigrantes portugueses a votarem em Donald Trump. “A comunidade portuguesa Estados Unidos já não se sente como estrangeira e sente que a entrada de mais estrangeiros é uma ameaça e uma competição desleal”, disse.

Mas João Carvalho alertou para o facto de a adoção dos valores anti-imigração e nacionalistas por parte de portugueses emigrados coloca a comunidade “numa situação de vulnerabilidade”.

Numa “situação de vitória da União Nacional, não espero que hostilidade contra os portugueses diminua”, mas “antes pelo contrário”, vaticinou João Carvalho.

 

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